São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Leia trechos da entrevista do presidente

Leia a seguir trechos da entrevista do presidente Fernando Henrique Cardoso à rádio CBN:
Heródoto Barbeiro - Presidente, como administrar uma reforma agrária que pressupõe invasão de terra?
FHC - É muito difícil, é isso o que atrapalha. Eu entendo também, em certas circunstâncias, quando as pessoas precisam da terra e há uma terra improdutiva e há uma demora, eu posso até compreender as razões pelas quais existe ocupação (...) A terra, o valor da terra caiu muito no Brasil, graças ao Plano Real. A terra hoje não serve mais para você guardar valor. As pessoas querem vender terra e só tem um comprador hoje, é o Incra, é o governo, não é? Então, terra no Brasil hoje não é um grande problema, o preço da terra também não, está caindo o preço da terra e vai cair mais, porque nós aprovamos o ITR -o Imposto Territorial Rural-, que nunca se conseguiu fazer, esse governo conseguiu com o apoio dos movimentos sociais, MST e tudo, sem dúvida alguma. Então, acho bom que haja pressão. Ajuda, ajuda o Brasil a andar, ajuda o governo a melhorar. Agora, não pode extrapolar. Em certos momentos fica negativo. Eu entendo a atitude dos líderes, que têm que dizer que vão ocupar e não sei o quê, mas eu sou o presidente da República, existem as leis, existe o direito de propriedade, existem os proprietários que ficam inquietos, existe a necessidade da produção. Então é preciso também ir com atenção a esses problemas todos. Eu acho que um pouco é bravata, um pouco é modo de dizer, não é? E um pouco é necessidade. Não cabe ao governante uma atitude intolerante nunca, sobretudo, a um governante como é o caso que deseja a reforma agrária. Então, eu levo essas questões com certa tranquilidade.
Heródoto - Tem uma declaração hoje da liderança da UDR dizendo que o sr. está refém do MST (...).
FHC - Eu não li essa declaração. Hoje a UDR já é um movimento de menor expressão do que foi no passado. Ele já é consequência dessas invasões. Se não houvesse tanta invasão, e invasão em momentos desnecessários, não daria alento à UDR. Por quê? Porque a Sociedade Rural Brasileira, por exemplo, está apoiando a reforma agrária. O movimento hoje da consciência nacional da importância da reforma agrária é tal que a maioria dos fazendeiros também entende isso. Então, eu acho que seria um erro do MST levar a UDR a posições extremadas. Aí volta tudo o que aconteceu antes, tem um impasse e o impasse não ajuda a quem? Aos que precisam de terra. Bom, eu não sou refém de ninguém, eu sou refém do voto popular, isso sim, quer dizer, fui eleito e preciso ter o apoio da sociedade para fazer as reformas que eu estou fazendo, o resto eu levo com a mesma consideração que eu dou a uns, dou a outros, não é? Eu disse aqui, o MST é a quarta vez que eu vou recebê-los lá no meu gabinete. Discutir o quê? Os problemas do Brasil.
Heródoto - Uma outra avaliação que nós gostaríamos de ouvir do sr.(...): a participação da oposição no Movimento dos Sem-Terra.
FHC - Pegaram carona.
Heródoto - Pegaram carona, eu gostaria que o sr. comentasse isso.
FHC - São surfistas... desespero, são os surfistas, não é? O movimento é um movimento que tem apoio e tem o meio apoio. Eu sou favorável à reforma agrária, vou receber o MST. Agora, eles são surfistas, como não tem mais nenhuma brecha estão aí como náufragos e pegam uma bóia. Está bem, eu entendo isso, não tem importância.
Heródoto - Agora, presidente, quer dizer, mesmo que no meio desses surfistas surja, por exemplo, já a candidatura do Lula, que foi lançada ontem?
FHC - Não será a primeira vez, será a terceira vez, o Brasil já conhece.
Heródoto - Sr. presidente, também tem uma informação de cientistas dando conta do seguinte: que no momento em que o governo coloca à venda a Vale do Rio Doce, alguns bilhões de toneladas de ferro não teriam sido devidamente avaliadas (...).
FHC - Vamos supor que haja bilhões de toneladas de ferro lá e que não foram descobertas. Quando vierem a ser descobertas, metade continua pertencendo à União. Quer dizer, que nem esse argumento pega. Olha, eu já disse até ao d. Luciano, que é uma pessoa que eu respeito, ele conversou comigo e eu falei: olha, d. Luciano, eu não era favorável à privatização da Vale até que eu fui vendo argumento por argumento e me convenci. O que faz a Vale estrategicamente? Eu acho que quase nada, porque ela pega pedra lá, por exemplo, em Carajás, põe num vagão, leva para o porto e manda para fora. É isso que é a exploração do minério de ferro. É a exploração primária. Não tem nenhuma tecnologia importante. Mais importante é a Embraer, que foi privatizada no governo Itamar Franco com o meu apoio, assim como é -e essa tem valor estratégico, porque faz aviões, tem tecnologia de ponta- ou então a Siderúrgica Nacional, que tinha um valor simbólico. Então, isso aí ao redor da Vale do Rio Doce é político. Eu não vi um argumento que fosse técnico, para o bem do Brasil.
Heródoto - Presidente, essa questão aí é uma questão de grande repercussão na opinião pública brasileira e uma outra recente que o sr. acompanhou de perto foi essa reação de indignação da população quando ouviu falar do tal do extrateto de R$ 21.600,00.
FHC - Foi o seguinte: a reforma administrativa foi aprovado o relatório Moreira Franco, que é um relatório importante, que vai ajudar (...). Então, um bom relatório. Para aprovar esse bom relatório, quando houve a discussão uns dez dias atrás, o que aconteceu foi que todas as lideranças e todas as pessoas consultadas disseram o seguinte: é muito difícil aprovar porque existem deputados, como existem outros funcionários, que têm uma aposentadoria e que estão temporariamente exercendo uma função e que não obstante perderão essa aposentadoria. Bom, se isso for proposto, ou seja, se para o trabalho transitório, aquele que já está aposentado e volta a trabalhar transitoriamente, esse poderá receber alguma coisa. Ninguém falou de R$ 21 mil, foi o modo como foi apresentado, mas o que foi proposto foi outra coisa. E essa outra coisa, a contragosto, não só eu como os líderes disseram, bom, se esse for o preço é o menor preço, porque não se trata de uma imoralidade. E as pessoas que hoje tem duas, três aposentadorias perdem, vão ficar com uma só e poderão escolher dentre essas, uma só e se essa uma só não ultrapassar o teto. Foi isso o que foi dito. Então, ele poderá, enquanto estiver trabalhando, receber (...). Pois bem, nem isso a sociedade aceitou. Então, eu acho que foi muito bom, a sociedade está dizendo o seguinte: não quer nada, é zero. Está bem, pode ser que alguém até sofra, vai diminuir o seu salário. Muitos vão perder salário, mas tudo bem, eu acho que está num momento em que nós precisamos realmente dar um exemplo de que o Brasil tem outras perspectivas. Ninguém pode discutir o valor desse teto. Dez mil e oitocentos reais é muito dinheiro e ninguém tem só 12 salários, todo mundo tem 13, 14, às vezes até mais, isso por ano. Portanto, é um bom salário. Então, eu acho também que está certo. Eu sempre quis isso. Eu sempre quis um teto seco. Agora, na verdade, o que houve foi uma transigência, naquele momento com esse propósito e para esses casos. Isso foi para a imprensa, naturalmente, sob uma forma diferente.
Heródoto - Presidente, já que nós falamos em aposentados de melhor condições, esses que o sr. citou, nós estamos caminhando aí para o dia 1º de maio e as pessoas estão aguardando o final do governo para saber que tipo de ajuste vai acontecer em seu salário mínimo (...). Presidente, já existe algum estudo, já existe algum número preliminar em relação a esse aumento do salário mínimo, essa reposição da inflação ou não.
FHC - Olha, se existe eu não conheço (...). Na época da inflação todo ano tinha que haver um falso aumento. Agora, não. Agora, nós não vivemos mais na época dessa inflação e se você der um aumento além do que é possível você provoca a inflação e, em vez de conceder uma vantagem, está tirando um benefício. Isso é bom que se saiba. Você sabe que não é meu estilo fazer demagogia (...). Na verdade, no Brasil cada vez menos gente recebe o salário mínimo. Cerca de 5% a 6% dos trabalhadores é que recebem salário mínimo só. E o que é importante é que se diminua mais ainda os que recebem o salário mínimo. O mínimo não deve ser aquilo que as pessoas ganham, deve ser uma referência cada vez mais, não é? Porque isso é muito pouco. É muito pouco. Qualquer que seja esse salário, ele é muito pouco. Agora, não deve ser usado como demagogia (...).
Heródoto - Nós podemos chegar até o governo do sr. com US$ 200 de salário mínimo?
FHC - Não, não, não, o que eu disse quando fui candidato, naquele tempo o salário mínimo era US$ 65. Eu disse que em quatro anos nós dobraríamos isso. Isso parecia naquela época uma coisa muito pouco ou muito. Quem, enfim, entende de economia sabe que é muito. Eu tenho um compromisso. Duzentos dólares nunca foi meu compromisso, porque se for para US$ 200 estoura a inflação e aí não tem US$ 200, arrebenta. É demagogia (...). Eu estou dizendo: em 94 ele valia US$ 65, antes do real nominais, na prática era muito menos, porque US$ 65 no primeiro dia do mês e depois ele iria sendo comido, ele ficava em US$ 40. Hoje não. Hoje, R$ 118 é pouquíssimo, mas é três vezes mais do que o médio do ano passado. Então, na economia tem que haver e aí tem que entender das coisas. A ignorância não ajuda os pobres.

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