São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Rio fecha Casa da Testemunha este ano

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

O único local que abriga testemunhas ameaçadas no Rio deve ser fechado pelo governo estadual ainda este ano.
Administrada pela Polícia Civil, a Casa da Testemunha funciona no centro do Rio. Nela moram 12 adultos (nove homens e três mulheres) e quatro crianças (acompanhantes dos pais), que não recebem do Estado assistência psicológica nem social.
"Aquilo é um presídio, um depósito de testemunhas", disse a advogada Cristina Leonardo, coordenadora da ONG (organização não-governamental) Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
A Casa da Testemunha foi criada há quatro anos, na administração do ex-governador Leonel Brizola. Seu fechamento já está decidido e o governo estadual ainda não tem um projeto para sua substituição.
Por ela passaram sobreviventes de casos famosos internacionalmente, como a chacina de oito meninos de rua perto da igreja da Candelária (centro) e o massacre de 21 moradores da favela de Vigário Geral (zona norte).
Os planos de oferecer vida de boa qualidade às testemunhas não se concretizaram. Os abrigados vivem sem privacidade e comem a mesma comida servida aos presos em delegacias.
Responsável pela manutenção da Casa da Testemunha, o delegado titular da Delegacia de Homicídios, Luís Sarti Neto, reconhece os problemas dos abrigados.
"Aquilo é um local para comer e dormir. Não atende o mínimo necessário. O ponto fundamental é rediscutir a Casa da Testemunha, que, a meu ver, está equivocadamente com a Polícia Civil."
Sarti Neto defende a criação de um programa de proteção à testemunha administrado pelo governo federal, nos moldes do existente nos EUA, onde identidades chegam a ser trocadas para garantir a vida de ameaçados.
"Não há Estado democrático de Direito sem abrigar testemunhas. O problema maior é a falta de um programa sério, com injeção de capital até mesmo do exterior, por meio de ONGs", disse o delegado.
A monotonia é a principal característica da vida na Casa da Testemunha. Não há nem sequer TV. Os abrigados comem três vezes por dia. Ninguém tem emprego. As saídas são poucas, por causa do medo de vinganças.
Na casa moram pessoas que se dizem ameaçadas por quadrilhas de traficantes bastante conhecidos no Rio, como Marcinho VP (morro do Alemão, zona norte) e Pedrinho Maluco (zona oeste).
Três anos
A polícia desconfia que parte das ameaças sejam inventadas ou, de tão antigas, tenham deixado de existir. Há abrigados que moram há quase três anos na Casa da Testemunha.
"Há pessoas que buscam apenas um lugar para dormir. É necessário critério na seleção de abrigados. Às vezes muitas ameaças não são concretas", disse Sarti Neto que aloja testemunhas a partir de pedidos de juízes, promotores e delegados.
A segurança da casa é feita por dois policiais civis, que dedicam parte de seus plantões a separar brigas e administrar desentendimentos entre os abrigados.
O representante brasileiro da ONG Human Rights Watch/Americas, James Cavallaro, disse à Folha que, a ser mantido o atual modelo, considera preferível fechar a Casa da Testemunha.
"A Casa das Testemunhas não tem estrutura. Não há condições para ter uma vida digna."

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