São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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O mito da produtividade

ALDO REBELO

Um dos argumentos utilizados para contestar a atualidade da reforma agrária é que o aprofundamento das relações capitalistas no campo brasileiro colocou a questão agrária em novas bases.
As antigas propriedades, em parte dedicadas à agricultura de sobrevivência, cederam lugar a empresas altamente tecnificadas, voltadas para o mercado nacional e internacional.
Nesse quadro, afirma-se, o volume de investimentos necessário para garantir níveis de produtividade internacionais aponta para a inviabilização das pequenas propriedades.
O problema agrário não se resolveria, portanto, distribuindo terras aos trabalhadores rurais. Impossibilitados de competir no mercado globalizado, pela falta de recursos técnicos e financeiros, pouco lhes adiantaria a posse de um pedaço de terra.
Como toda boa mentira, o raciocínio é, em parte, verdadeiro. O aumento da produtividade no campo é real e imprescindível para garantir o abastecimento alimentar de um número crescente de pessoas, o fornecimento de matérias-primas à indústria e a geração de excedentes exportáveis. Há, contudo, outro lado na questão que o raciocínio esconde.
Quando uma região do país abandona a agricultura tradicional, voltada para a produção local de alimentos, e se engaja no circuito capitalista de mercadorias, cada vez mais internacionalizado -produzindo, por exemplo, frutas de exportação por meio de tecnologias modernas e, não raro, intensivas em capital-, pode-se prever, quase com certeza, que o montante total de riqueza criado na região aumentará.
Com a renda maior gerada pela especialização, a região poderia adquirir uma quantidade superior dos alimentos que antes produzia, com baixa produtividade, e todos sairiam ganhando. É o que ensina a conhecida teoria das vantagens comparativas.
O problema é que antes, mesmo com baixa produtividade, a renda gerada ia para um número maior de pessoas, que pelo menos asseguravam sua subsistência. Na nova situação, a renda é maior, mas fica com um pequeno número de empresários rurais.
Grande parte dos antigos agricultores é expulsa, indo sobreviver miseravelmente nas periferias das cidades, sem emprego fixo e sem renda estável. Assim, a renda média da região aumenta, mas aumentam também a desigualdade e a pobreza na região e no país.
Uma reportagem recente do jornal inglês "The Guardian" chamou a atenção para o fato de ser possível encontrar, nas prateleiras dos supermercados de Londres, frutas e hortaliças produzidas em países africanos, como Zaire, Quênia ou Moçambique, cujas populações dependem pesadamente da importação de grãos dos EUA.
A reportagem confirmou que, na economia globalizada, grande parte das terras mais produtivas da África, da América Latina e de outras regiões pobres do mundo está se voltando para a produção de laranja, cacau, café, chá ou flores para os consumidores dos países ricos.
Enquanto isso, a produção de grãos vai sendo dominada por companhias internacionais -como a Cargill, empresa americana que controla grande parte do comércio mundial de sementes, tem 140 filiais, 800 fábricas e 300 escritórios em 60 países e fatura US$ 23 bilhões por ano.
A revolta de Chiapas, no sul do México, foi determinada em boa parte por essas tendências. Região pobre, produtora de milho, viu-se economicamente inviabilizada pela concorrência dos EUA depois da entrada do México na Zona de Livre Comércio da América do Norte. O milho importado do país vizinho é mais barato, pois cada fazendeiro americano recebe um subsídio anual do governo de US$ 29 mil.
Mas esse milho barato não chega ao prato dos camponeses do sul do México, que ficaram sem trabalho.
O professor Celso Furtado alertou, em entrevista recente, que uma parcela da população pobre do Brasil está retornando às zonas rurais em busca de sobrevivência. E advertiu que, embora a produtividade em certas áreas possa baixar, o número de pessoas passando fome pode diminuir.
Se, além disso, houver uma política de apoio a esses pequenos agricultores, como fazem os países europeus e o Japão, a queda na produtividade será temporária.
Conclusão elementar: uma reforma agrária, com apoio técnico e financeiro ao aumento de produtividade das pequenas propriedades, só trará benefícios ao país e aos trabalhadores acossados pelos flagelos da expulsão do campo e do desemprego nas cidades.

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