São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Cabeça de cão moída era remédio

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O livro "História das Mulheres no Brasil" traz relatos que, às vezes prosaicos, revelam muito sobre a relação da sociedade brasileira com o feminino desde os tempos coloniais. Confira:
* Entre o século 16 e o início do 19, a Igreja Católica considerava que os homens representavam Cristo nos lares. E que as mulheres tinham de pagar o pecado da primeira fêmea, Eva. Precisavam, portanto, usar roupas pudicas, enfeitar-se com modéstia e conservar o silêncio.
* Durante o mesmo período, acreditava-se que houvera uma falha na fabricação da mulher -que a fêmea nascera de uma costela masculina recurvada, "cuja curvatura era contrária à retidão do homem".
* Os padres do Brasil colonial encaravam como pecado todas as variações do coito, salvo a posição papai-e-mamãe. Por tabela, perseguiam as mulheres que "amavam lascivamente". Muitos, porém, acabavam mantendo relações sexuais com as pecadoras, a quem "solicitavam em confissão".
* Por volta de 1720, o médico Braz Luiz Abreu costumava olhar mulheres doentes como vítimas "das insolências ou de banhos do demônio". E lhes receitava remédios que continham a cabeça degolada de um cão preto, torrada e moída em pó fino.
* Sob a ótica da medicina do século 18, o corpo feminino exibia "ossos mais frágeis que os dos homens, sangue mais aguado e falta de calor natural". Servia exclusivamente para "engendrar a conservação do gênero humano". Não possuía, entretanto, nenhum papel na fecundação. Cabia-lhe apenas portar o feto que o sêmen masculino produzia sozinho.
* Conforme os médicos de então, o corpo feminino podia gerar aberrações. Tratados científicos mencionavam mulheres que "deram à luz serpentes, lagartos e monstros com cornos e dentes no rabo".
* Em 1736, ninguém estranhou quando uma certa Tomásia, da Bahia, fez feitiços utilizando "cabelos das partes venéreas femininas e matéria seminal de cópulas".
No fim do século 19 e começo do 20, mulheres internadas em hospícios recebiam diagnósticos do tipo: "Forte tendência à infidelidade conjugal dias antes da menstruação". Os tratamentos "para o controle de sexualidades inconvencionais" incluíam a extirpação do clitóris e a introdução de gelo na vagina. (AA)

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