São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lições de moral 'for sale'

MAURICIO STYCER

São Paulo - Enquanto o governo brasileiro se preocupava, em Brasília, com a repercussão que a marcha dos sem-terra poderia ter junto a investidores estrangeiros, os investidores estrangeiros se viam às voltas, em casa, com dois problemas bem mais graves.
O primeiro diz respeito à notícia de que, no próximo dia 30 de abril, a personagem principal de "Ellen", uma série de TV da rede norte-americana ABC, vai revelar no ar que é lésbica.
Como a discussão sobre sexualidade se encontra num patamar bem elevado nos EUA, "apenas" três dos principais patrocinadores do programa suspenderam seus anúncios após "Ellen" anunciar que vai sair do armário e assumir a sua homossexualidade.
Caíram fora do programa nomes bem conhecidos dos com-terra brasileiros: a moderna fábrica de automóveis Chrysler, a eficiente rede de lanchonetes Wendy's e a popular loja de departamentos J.C. Penney.
Mas isso não é nada. Enquanto os sem-terra chegavam a Brasília, em Arlington, na região metropolitana de Washington, acontecia uma coisa, esta sim, capaz de abalar a imagem do país junto aos seus adoradores estrangeiros: o indiciamento policial de um menino de nove anos, acusado de ter encostado os quadris nas nádegas de uma coleguinha da mesma idade.
O "crime", conforme relatou o correspondente da Folha Carlos Eduardo Lins da Silva, ocorreu na fila do lanche da escola das crianças. Após apelo da diretora da Glebe Elementary School, a polícia investigou o caso, convocou o menino à delegacia, onde ele teve direito a "tocar piano" (tiraram as suas impressões digitais), foi fotografado e interrogado. O julgamento está marcado para 29 de maio.
Como temos o hábito, no Brasil, de comprar tudo que os EUA colocam "for sale" (à venda), desde a língua até o Chrysler último tipo, convém ficar de olhos abertos para as lições de moral que estão chegando. Em Brasília, devido ao excesso de bandeiras vermelhas, é possível que não se veja direito, mas essas "lições" ameaçam muito mais do que os sem-terra.

Texto Anterior: FURANDO A FILA
Próximo Texto: Negociar é preciso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.