São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 1997
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ASSASSINATO EM BRASÍLIA

Numa brincadeira de fim de noite, garotos de classe média de Brasília mataram Galdino Jesus dos Santos, 44, índio pataxó. O divertimento consistia em atear fogo em quem eles pensavam ser um mendigo -os rapazes disseram que não tinham nada contra índios. Queriam só assustar um miserável qualquer.
Chamar apenas de barbaridade a morte de Santos não só é pouco como dilui a repulsa na onda de indignação já banalizada diante da série diversificada de crueldades que o país produz. Volta e meia há exclamações de horror pontual devido a massacres no campo e em cadeias, à selvageria policial e a chacinas.
Sobre alguns desses episódios é comum ouvir a expressão "caso isolado", como ocorreu em relação às recentes atrocidades das PMs. A respeito do divertimento brasiliense, pode-se dizer que, de fato, não proliferam comandos juvenis para incendiar mendigos, apesar de a capital do país já ter sido conhecida por abrigar dezenas de gangues adolescentes.
No entanto, esses casos não são "isolados" e a indignação pontual já começa a ter um ar de hipocrisia. Não é preciso que essas cenas de crueldade se tornem uma enormidade estatística para que se deixe de considerá-las singularidades. Há método na produção dessas aparentes loucuras. O país foi preparado para criá-las. A miséria e a violência fazem parte da receita. Pessoas que vivem como bichos, abaixo de qualquer condição mínima de humanidade, começam a ser tratadas como tais pela parcela mais amoral da elite.
O mais do que compreensível medo da violência cotidiana reforça o círculo de horrores. Na semana passada, os espectadores que puderam escolher o final do enredo de um programa de TV mostraram que toleram o assassinato. Tratava-se do caso de um garoto pobre que invadia a casa de uma defensora de meninos de rua e a ameaçava com uma arma. Entre perdoá-lo, denunciá-lo ou matá-lo, quase 80 mil pessoas preferiram o homicídio para acabar com a história, mais do que a soma dos que escolheram as demais opções.
É hora de dar um basta à cultura do "caso isolado". Ainda vai custar muito para se começar a corrigir problemas como impunidade e miséria. Mas os mais recentes episódios de horror nacional são um bom momento -e eles estão sempre aí para dar a oportunidade de ação.

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