São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Autoflagelação indevida

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - A boa praxe jornalística mandaria que a coluna de ontem tratasse do caso do índio Galdino, assassinado em Brasília.
Não o fiz por um motivo bem simples: não sabia o que dizer. Continuo, aliás, sem saber, talvez porque há fatos que dispensam palavras.
Mas uma coisa convém dizer: me parece um equívoco culpar o Brasil pelo episódio. De alguma forma, até o presidente Fernando Henrique Cardoso o fez, ao propor, no Canadá, que pensemos "muito mais seriamente sobre nós próprios no Brasil".
Episódios do gênero ocorrem também em outros países e com frequência. Na semana passada, os jornais publicaram fotos de soldados da civilizadíssima Bélgica torturando, com fogo, habitantes da Somália que supostamente deveriam proteger, como membros da força de paz da ONU.
Na igualmente civilizada Alemanha, vira e mexe alguém põe fogo em casas de imigrantes turcos ou africanos, com o pessoal dentro. Morre muita gente dessa forma.
A lista de exemplos é inesgotável. Não estou defendendo o Brasil, até porque não sou dos que se obrigam a amar a pátria só por ter nascido nela. O Brasil tem mais defeitos do que qualidades, mas não é, em matéria de violência irracional, essencialmente diferente de outros países.
É claro que a impunidade para certo tipo de criminosos ajuda a estimular a violência. Mas suspeito que, no caso do crime de Brasília, foi apenas ator coadjuvante. Animais não refletem sobre a impunidade no momento de atacar suas presas. E esses jovens brasilienses são animais ou, ao menos, se comportaram como tais.
Suspeito que esse tipo de episódio ocorre ou porque o gênero humano, nasça onde nasça, não raro apresenta graves defeitos de fábrica ou porque a civilização dita moderna está gerando tal desprezo pela vida e pelo semelhante que acaba concedendo uma tácita, mas indiscriminada, licença para matar.

Texto Anterior: OS SEM-LEI
Próximo Texto: Lei reduz pena para tortura
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.