São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Direitos e deveres

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nota-se que o presidente da República, sobretudo depois que arrancou do Congresso a emenda que lhe permitirá a reeleição, ficou cioso de seus direitos constitucionais. Diante de qualquer dificuldade, de qualquer reivindicação da sociedade, ele faz questão de lembrar que é o presidente da República.
O mesmo não acontece quando se trata de encarar seus deveres. Um deles, o mais importante, é o de cumprir as promessas que se esbofou em fazer durante a campanha eleitoral. Aqueles que o conheciam melhor naquela época sabiam que ele estava blefando, a mão estendida com os cinco dedos era que nem a buchada de bode: recurso para ganhar voto. Mas como seriam beneficiários de seu governo, fingiram acreditar.
Aqueles que não o conheciam -e eu era um deles- achavam a campanha meio cínica, mas davam de barato: para um político chegar ao poder é necessário uma dose menor ou maior de cinismo. Acontece que FHC vem exagerando.
Outro dia, declarou jocosamente que não entende nada do problema da Vale. Quem entende são os guarda-livros, aqueles caras que ainda usam aquela viseira de celulóide verde para melhor examinar os livros da contabilidade. (Ia esquecendo: o governo de FHC se diz moderno).
O presidente tem o dever elementar de saber o que está fazendo. Nenhum cidadão deste país está mais obrigado a entender da Vale do que o senhor Fernando Henrique, que aliás pensa entender de muita coisa, mas não vai além da banalidade mais óbvia.
Digamos que seja verdadeira a ignorância presidencial sobre a venda da Vale. Seu dever, que no momento é maior do que qualquer direito que ele tenha, é se trancar num quarto e estudar o assunto, ouvir opiniões contraditórias e procurar entender a enormidade do crime que estará fazendo.
A noção sibarita que FHC tem do poder vai terminar muito mal para a nação e para ele próprio.

Texto Anterior: Lei reduz pena para tortura
Próximo Texto: Fundamentais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.