São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
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Fundamentais

ANTONIO DELFIM NETTO

Um atento leitor desta coluna chamou a minha atenção para o uso às vezes descuidado de algumas expressões que talvez -na sua acuidada observação- tenham um significado preciso na linguagem misteriosa da tribo dos economistas, mas que nada informam ao não-iniciado.
Desconfiado desse jogo retórico, ele pergunta se o "economês" não é apenas uma versão ligeiramente mais moderna das palavras mágicas inventadas pelos curandeiros tribais para espantar as doenças e produzir chuva...
Talvez haja um exagero nessa dúvida, mas o problema do leitor é claro e simples: "Por que diante de qualquer dificuldade vocês (os economistas) dizem que elas são causadas pelos 'fundamentais"'? "O mistério cresce", diz ele, "quando vejo essa palavra repetida em colunas e até em editoriais de jornais, invocada com claro significado mágico, porque é evidente que eles, como eu, têm uma idéia muito precária do que sejam 'os fundamentais'. Não seriam os 'fundamentais"', conclui o inteligente leitor, "apenas uma mistificação, uma palavra para designar o que desconhecemos?"
Certamente não é assim. Cada economista tem a sua lista dos "fundamentais".
Creio, entretanto, que quando se trata de saber quais os "fundamentais" que sustentam uma política macroeconômica sólida, capaz de conduzir a um crescimento sustentável, compatível com os fatores de produção disponíveis, praticamente todos incluem cinco condições: 1) uma taxa de inflação baixa (equivalente à de seus parceiros comerciais) e previsível; 2) uma taxa de juro real adequada; 3) uma política fiscal estável e sustentável, com um sistema tributário que não produz distorções; 4) uma taxa de câmbio real competitiva e previsível e 5) uma balança de conta corrente viável.
Essas proposições têm um forte suporte empírico. Dezenas de investigações independentes, envolvendo quase uma centena de países para os quais existem estatísticas relativamente confiáveis, aumentaram a nossa crença de que essas cinco condições são necessárias, ainda que não sejam suficientes, para a verificação de um processo de desenvolvimento robusto e sustentável. É àquelas condições que os economistas se referem como os "fundamentais".
Olhando para os fundamentais, vemos que o Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer para transformar a estabilização dos preços num verdadeiro sucesso capaz de sustentar o crescimento econômico nos níveis de 6% a 7% ao ano, o mínimo necessário para dar emprego à nossa força de trabalho.
Nossa taxa de inflação anual é um êxito, mas é ainda o dobro de nossos competidores asiáticos e o triplo de nossos parceiros desenvolvidos. Nossa taxa de juro real continua "escorchante". Nossa política fiscal é deplorável (e o presidente declara que não sabe o que fazer com ela!).
Nossa taxa de câmbio real está exageradamente sobrevalorizada. E nossa balança em conta corrente tem sustentabilidade duvidosa. Nossos "fundamentais", portanto, ainda carecem de fundamentos...

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