São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 1997
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Previdência iníqua e elitista

MAILSON DA NÓBREGA

A Previdência Social é um espelho piorado das desigualdades sociais do país. Mercê de inúmeras brechas provocadas por uma legislação paternalista, defeituosa e irresponsável, transformou-se no paraíso de espertalhões.
O relatório do senador Beni Veras, divulgado pela Folha neste domingo, intenta atacar algumas das principais distorções do sistema e resgatar pontos do projeto original, destruídos na Câmara pelas forças que se opõem ao fim dos privilégios.
O projeto jamais foi um foguete para estilhaçar os alicerces da falida Previdência e daí construir algo decente para o futuro.
Continha apenas alguns remendos, talvez por conta da avaliação das dificuldades políticas no Congresso.
Era, na verdade, um artefato de baixo poder ofensivo, que a Câmara transformou numa bombinha de São João.
O senador quer restabelecer propostas como a da aposentadoria por idade e a do fim das aposentadorias especiais, que beneficiam, basicamente, certos funcionários públicos, incluindo professores.
Não seria desta vez a chegada do regime de capitalização à Previdência, menos ainda da regra dos benefícios indefinidos, que dependeria da gestão dos recursos das contribuições, como ocorre nos sistemas sérios.
Permaneceria o regime de repartição simples e, pior, a possibilidade de reajuste de aposentadorias sem correspondência com a arrecadação. Esse esbulho seria mantido, mas haveria limites para evitar benefícios escandalosos.
Diz-se que, na Câmara, quase 30% de seus membros têm direito a benefícios de fazer inveja aos escandinavos. Nasceram, em geral, do acúmulo inacreditável de vantagens.
Fala-se em deputado com mais de uma aposentadoria, percebendo mensalmente acima de R$ 20 mil. Aposentadorias entre R$ 10 mil e R$ 20 mil por mês seriam comuns entre parlamentares, juízes e procuradores. No Ceará, tem gente com R$ 45 mil.
Se, dos 25 aos 55 anos de idade, alguém pagasse uma determinada quantia para um plano privado de previdência, se aposentaria com cerca de sete vezes o valor da contribuição. Esse é mais ou menos o período de trabalho da maioria daqueles felizardos.
Para usufruir seus gordos benefícios, cada um da turma dos R$ 20 mil deveria ter pago, em média, perto de R$ 3.000 por mês durante toda a carreira. No caso do cearense privilegiado, R$ 6.500. Isso por certo nunca aconteceu.
A diferença entre o merecido e o não merecido vem da sociedade, especialmente dos trabalhadores. São eles que pagam grande parte das contribuições com as quais se remuneram os privilégios.
Além de tudo isso, os regimes especiais permitem que certos segurados levem mais tempo aposentados do que contribuindo para a Previdência. Um absurdo e tanto.
Vários estudos mostram essas e outras perversidades do sistema, o qual permite que "parte da população se aposente por tempo de serviço, com períodos de contribuição entre 25 e 35 anos e uma idade média inferior a 60 anos". É um sistema "iníquo e elitista".
Essas afirmações são do trabalho recente de dois estudiosos do tema, Ana Cláudia de Além e Fábio Giambiagi, ambos do BNDES ("A despesa previdenciária no Brasil: evolução, diagnóstico e perspectivas", fevereiro de 1997, mimeo.).
Eles demonstram que a maior pressão sobre as despesas provém das aposentadorias por tempo de serviço, que, embora representem apenas 14% da quantidade, geram 34,2% dos gastos. Vão passar dos 40% na virada do século.
O estudo destrói o argumento comum de que a aposentadoria por idade seria uma injustiça diante da atual expectativa de vida do brasileiro. Na realidade, o que importa para a Previdência é a esperança de vida do segurado e não a da média da população.
Segundo os autores, "a comparação da esperança de sobrevida aos 65 anos de idade de um brasileiro com a de um indivíduo de outro país mostra que são bastante modestas as diferenças: 11 anos para o brasileiro, contra 12 e 14 anos para um belga e um sueco".
A Constituição de 1988, prosseguem eles, consagrou o princípio distributivo-assistencialista, pelo qual as contribuições são arrecadadas de quem pode, enquanto os benefícios são distribuídos segundo as necessidades dos menos favorecidos.
Na prática, virou o contrário. Pior: a preservação das injustiças conta com a força dos privilegiados e com o apoio de sindicalistas e parte da esquerda.

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