São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 1997
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Cineasta mostra um IRA romântico e explosivo

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mesmo dizendo ter perdido muitas noites de sono diante do desafio de filmar a vida do herói irlandês Michael Collins (1890-1922), o também irlandês Neil Jordan conseguiu tornar o tema delicado do seu novo filme num épico fácil de assistir.
Mais fácil ainda é não errar o lado da torcida na hora da definição dos vilões da história.
Neil Jordan parece não ter dificuldades em lidar com evidências históricas. Não há constrangimentos ou reservas para se mostrar o IRA (Exército Republicano Irlandês) em sua origem romântica e, ao mesmo tempo, explosiva.
É fascinante acompanhar a luta de Michael Collins, desde 1916, pela libertação da Irlanda do domínio britânico.
O que vemos é mais do que uma sintética aula de história contemporânea. É inevitável atribuir ao IRA o pioneirismo em uma técnica de sublevação, terrorismo, guerrilha urbana e sabotagens que depois se espalharam pelo mundo -da China de Mao à América Latina de Che Guevara.
Com atrocidades dos dois lados, as sabotagens do IRA desestabilizaram a reação britânica depois de sete séculos de colonização.
Torcida
Diante da ordem das evidências que o filme apresenta, torna-se inevitável torcer pelo IRA. As evidências históricas juntadas para "Michael Collins" definem os vilões a serem execrados pelo resto da narrativa: os ingleses.
Com comoção e espanto, vemos a ação do IRA ser envolvida pelos princípios que ativam a formação de um partido político. Partido que começa nos trabalhos de base e atinge as traições palacianas.
Como em qualquer retrospecto político, românticos como Collins serão lembrados por sua cega obstinação. Ou o que se chamaria hoje de trabalhos de base.
Collins cuidava da seleção de jovens voluntários para as suas armadas, inclusive os "squads", responsáveis pela execução de agentes britânicos pertencentes a uma temível tropa de elite conhecida como "Gangue de Cairo".
A resposta a uma ação desencadeada em 1920 foi o massacre aleatório de 14 torcedores de futebol num estádio de Dublin. A reconstituição do episódio conhecido por "Bloody Sunday" é memorável no filme de Jordan.
As concessões do diretor ficam no campo da narrativa, com a dramaticidade resumida ao sabor da síntese histórica. Um agente duplo chamado Ned Broy morre torturado no filme. Ele, fora da ficção, sobreviveu aos massacres daquele domingo sangrento.
Morre no filme para provocar mais comoção, Jordan, contudo, apaga da narrativa o sacrifício real de dois colaboradores de Collins -Dick McKee e Peadar Clancy, estes sim torturados até a morte.
Personalidade
A personalidade de Collins também dança ao sabor da fantasia cinematográfica. É verdade, como o filme mostra, que a repressão britânica nunca conseguiu capturá-lo. Faltava uma boa foto dele em seus arquivos. Mas a sua vida misteriosa é decantada em detalhes reveladores e duvidosos.
Julia Roberts desfila a sua serena insegurança dividida entre os amores de Collins e de um de seus principais auxiliares.
E o filme termina por sugerir que a inclinação final da mulher por Collins foi um dos motivos que provocaram o racha partidário que levou à sua morte e jogou a jovem república irlandesa numa guerra civil.
Pior é o papel maquiavélico reservado a Eamon de Valera, que aparece como uma sombra ambiciosa de teatro shakespeariano, capaz de tudo para não se queimar antes do tempo. Este personagem real sobreviveu e terminou presidente da Irlanda.
Com ele aprendemos que a política fica por conta de quem não sabe fazer outra coisa.

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