São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997 |
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"Ele não fazia chanchadas"
SHEILA SCHVARZMAN
* Folha - Como eram as filmagens com Humberto Mauro? Lídia Mattos - Os filmes eram feitos em termos caseiros. Éramos todos uma família e, naquela época, 50 anos atrás, eu era bem mocinha. Íamos eu, minha mãe, a mulher de Mauro e d. Beatriz Bojunga, filha de Roquette-Pinto, filmar "O Despertar da Redentora" no Museu Imperial de Petrópolis. Depois, íamos para o hotel, jantávamos, conversávamos. A mesma coisa ocorreu com "Argila". Folha - Como ele dirigia? Mattos - Era calmíssimo, muito educado, alegre, piadista, com muita paciência. "Você olha prá lá, caminha e dá a sua fala, tem tempo", ele dizia. O filme era financiado pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo. Não precisávamos correr contra o tempo por causa de verba. Nem estávamos pensando no que íamos ganhar, embora eu me lembre que ganhei algum trocado. Queríamos era trabalhar pelo trabalho, por tudo que aquilo representava. Folha - Mauro entregava algum roteiro para ser estudado? Mattos - Não, ninguém tinha roteiro. Mauro fez a adaptação, decupou em cenas e na filmagem me dizia o que fazer e o que falar. "Aqui você fica muito triste". E eu fazia tudo que ele mandava. Não era um diretor carrasco. Folha - Mauro filmava direto? Mattos - Fazia de uma vez só. Ele sabia que a luz estava certa, o som no lugar. Se um passarinho entrava em cena, entrava. Ele não repetia muito as cenas, porque o material era contado. Folha - E as cenas mais importantes, como quando a sra., em "O Despertar da Redentora", interpretando a princesa Isabel, olha para o céu e promete que tudo fará para ajudar os escravos? Mattos - Aquilo vem da gente, do próprio momento. Vinha do gosto que a gente tinha de fazer. Folha - Como foi sua participação em "O Segredo das Asas", de 1943, ano em que o Brasil participava da Segunda Guerra? Mattos - Foi um filme muito interessante. Era a história da FAB (Força Aérea Brasileira). Eu fazia uma menina paralítica que ficava sentada numa janela, vendo os aviões passarem, e dizia que gostaria de conhecer os aviões. E um aviador da FAB, que era o Celso Guimarães, o ator de "Argila", vinha me visitar com a sua farda e eu ficava encantada. Em narração, o filme contava a história da FAB, a preparação dos aviadores. Folha - Havia diferença entre o modo como Mauro dirigia um filme do Instituto Nacional de Cinema Educativo e outros filmes, não ligados ao Ince? Mattos - Nada mudava. Eu nunca assisti um nervosismo dele, uma alteração de voz. Folha - "Argila" fez sucesso? Mattos - Fez muito. Fez sucesso entre os intelectuais, entre a crítica. Não de público. Folha - "Argila" abriu portas para sua carreira. Mattos - Claro, eu estava participando de "um filme dirigido por Humberto Mauro"! Um nome muito conceituado. Não era o cinema popular que fui fazer depois, com filmes como "Pega Ladrão", "Gente Honesta", de Moacyr Fenelon. Humberto Mauro era um cinema de categoria, de classe. O outro era popular, com piadas, com Oscarito, Grande Otelo. Folha - A sra. acha que a passagem pelos filmes de Mauro distingue uma carreira? Mattos - Ele fazia uma coisa de qualidade, não fazia chanchadas. Fazia coisas artísticas, como Rossellini. E os outros faziam filmes populares, visando mais o público e a parte financeira. Mauro era minucioso sem ser perfeccionista, procurava fazer o melhor. Olhava tudo, a qualidade de expressão. Os outros eram mais comerciais, ingênuos, mais populares. Mauro não contava com a bilheteria. Texto Anterior: Pernas e beijos arrebatadores Próximo Texto: O tesouro esquecido Índice |
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