São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Estônia tem lago de lixo radioativo

El País
de Madri

ADRIÁN SOTO
DO "EL PAÍS", EM SILLAMAE, ESTÔNIA

Seis anos após a queda do regime soviético e da declaração de independência da Estônia, a cidade de Sillamae, na costa nordeste da pequena república báltica, ainda conserva o ar de mistério que a caracteriza desde suas origens. Na periferia da cidade, apenas uma das quatro chaminés do enorme complexo industrial de Silmet expele uma espessa nuvem de fumaça cinza-escura em direção ao pálido céu nórdico.
Em seus sonhos de grandeza, Stálin concebeu a ciência como ferramenta a serviço do partido-Estado. Ao lado do complexo industrial de Sillamae, distante apenas 150 km de São Petersburgo (antiga Leningrado), prisioneiros políticos construíram uma cidade da ciência. Atraídos por prerrogativas atraentes, cientistas de todas as partes do vasto império soviético foram trabalhar em Sillamae.
Desde o início, a cidade e o complexo industrial foram declarados estrategicamente importantes e passaram a depender do Ministério de Energia Atômica.
Desastre ecológico
Desde o início, a produção do complexo industrial se concentrou em componentes para a indústria nuclear e, depois, parte da produção destinou-se à indústria espacial. Não apenas pela importância estratégica, mas também pelo volume de materiais processados, Silmet tornou-se um dos principais centros industriais a trabalhar com produtos naturais na Europa, entre eles urânio.
Em 1990 veio a público o fato de que o complexo industrial havia processado 40 milhões de toneladas de matéria-prima, boa parte dela altamente radioativa.
Os resíduos dessa imensa produção foram simplesmente depositados numa represa artificial construída atrás do complexo industrial, a 1 km do centro da cidade.
Os habitantes de Sillamae chamam a represa, com superfície de 330 mil m2 a céu aberto, de "lago de urânio". Seus diques de contenção, que não são muito fortes, se erguem a uma altura de 27 m. Na falta de outros meios para reforçar os diques, as autoridades locais usam blocos de cimento e pedras.
Um estudo realizado por cientistas finlandeses calcula que a represa contém 12 milhões de toneladas de resíduos metálicos, dos quais 1.700 toneladas são resíduos de urânio, alguns milhares de quilos de resíduos de tório e outros tantos de ródio, além de milhares de toneladas de fósforo.
Para o governo da Estônia, Sillamae vem sendo um estorvo enorme. Há quatro meses apareceu um comprador e a fábrica passou para mãos privadas, por um preço irrisório. Os novos proprietários têm um prazo de três anos para melhorar as condições da represa.
Até agora, o governo só dedicou a modesta quantia de US$ 350 mil aos trabalhos de limpeza.
Segundo o porta-voz da Silmet, Gunnar Isotamm, o consórcio, constituído em sua maioria por capitais locais, não tem dinheiro para fazer a limpeza, mas mantém contatos com o programa europeu de reabilitação das operações com urânio. O custo de uma melhora ambiental na represa é estimado em US$ 139 milhões.
A represa contém um líquido verde viscoso e espesso. Segundo Isotamm, a cidade em si não corre perigo de radioatividade, mas esse perigo é muito grande na área que circunda a represa.
Os mais de 20 mil habitantes de Sillamae acreditam que, além de faltar dinheiro, ao governo falta vontade de resolver o problema.

Tradução de Clara Allain

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