São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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Quem avisa amigo é

LUÍS PAULO ROSENBERG

A necessidade de uma desvalorização cambial em qualquer economia depende do desempenho da balança comercial, dos juros internacionais e demais serviços devidos e da disposição do mundo em financiar o déficit em transações correntes.
A conta de serviços é razoavelmente inelástica a curto prazo e pouco vale discuti-la. Neste ano, não será muito diferente de um déficit de US$ 21 bilhões.
O saldo comercial vai mal, obrigado, mas precisaremos de uns dois a três meses mais para podermos diminuir o intervalo de projeção: ficará entre US$ 10 a 16 bilhões e quanto mais perto do limite superior, maior a necessidade do governo agir para reverter o quadro de descontrole comercial.
Mas a questão que se está tornando mais crucial nos últimos tempos é a de quanto déficit conseguiremos financiar nos próximos 12 a 24 meses.
Obviamente, quanto mais altas as taxas de juros internacionais, menor a disponibilidade de divisas que virá ao Brasil. Seja porque juros altos tornam mais atraentes as aplicações em renda fixa no Primeiro Mundo, que competem conosco na atração do mesmo capital, seja porque deteriora-se a percepção do risco de estar no Brasil: como vamos pagar nossa conta de juros em ascensão, se a época será de desaquecimento internacional, induzido diminuição das nossas exportações e do investimento de risco de multinacionais no Brasil?
E as taxas de juros nos Estados Unidos pegaram uma canaleta de alta inexorável. Vejamos porque.
Em primeiro lugar, os sinais de que o aquecimento do mercado de trabalho nos Estados Unidos está prestes a pressionar a inflação são irrefutáveis. Após vários anos de crescimento espetacular de produtividade e de contenção dos salários reais pela abertura da economia americana, os níveis muito baixo de desemprego e a perda de dinamismo do investimento produtivo começam a dar sinais de que o ciclo virtuoso de crescimento do PIB por ganhos de eficiência -sem pressões inflacionárias, portanto- está esgotado. Nos últimos meses, o uso de mais de 80% da capacidade instalada, o nível até recorde de estoques industriais baixos e o crescimento continuado dos indicadores de salário real demonstram que a ameaça inflacionária não é mais uma mera dedução lógica. Tornou-se algo palpável, exigindo enfrentamento imediato.
Em segundo lugar, os juros vão subir nos Estados Unidos porque o Federal Reserve, o Banco Central deles, está absolutamente lúcido em relação aos fatos descritos e já atuando no sentido de abortar o processo inflacionário em gestação.
De fato, a alta de 0,25%, promovida pelo Fed na sua última reunião, foi vista por muitos otimistas como sendo um episódio isolado, profilático e ligado mais à "exuberância irracional" dos investidores em ações, denunciada pelo seu chairman Greenspan do que o primeiro passo de uma caminhada mais longa.
De lá para cá, a bolsa de Nova Iorque sofreu uma queda de cerca de 500 pontos e recuperou a maior parte das perdas e as mais recentes estatísticas divulgadas ficaram aquém de tranquilizadoras. O que deverá provocar uma nova alta de juros quando o Fed voltar a reunir-se no próximo dia 20 de maio.
Concluindo, pedir tempo para avaliar melhor a situação, antes de agir, é cautela governamental sensata. Insistir na política mesmo quando o instrumental analítico indica que ela está errada torna-se uma teimosia imperdoável.
Mas ser pilhado com a cabeça enterrada na areia, quando chegar o temporal cambial decorrente de nossa vulnerabilidade a juros em alta seria o pecado capital a que se referia Simonsen, quando alertava contra os que subestimam as consequências de um erro na condução das contas externas.

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