São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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Aldeias revelam profissionais

MÁRIO MAGALHÃES
DO ENVIADO À MALOCA DA RAPOSA (RR)

Bacurau é uma ave noturna, de ótima visão no escuro e que se alimenta de insetos.
Assim é chamado Francisco dos Reis, um índio macuxi de 32 anos que, apesar da idade, ainda fez sucesso no futebol profissional de Roraima, implantado em 1995.
Ele foi ponta-direita do Atlético Roraima e do Rio Negro, dois dos seis clubes que participam do Campeonato Estadual.
Há pouco, pediu à Confederação Brasileira de Futebol sua reversão à condição de amador, para fortalecer o Três Corações Futebol Clube, time indígena da região do rio Amajari.
Bacurau começou a jogar aos 12 anos, quando morava na Maloca da Raposa e falava macuxi, idioma que hoje só entende, depois de muitos anos morando em Boa Vista, onde dirige uma pequena empresa de construção civil.
Olheiro
Ainda adolescente, o ponta-direita foi estudar numa missão católica em Surumu, onde os dois padres se divertiam jogando futebol com os índios.
Um certo padre Ghuilherme sobreviveu na memória de Bacurau como um meia habilidoso.
Nos anos 80, quando jogava uma pelada em Boa Vista, Bacurau foi visto por um olheiro e acabou no Rio Negro, ainda um time amador.
Filho de mãe indígena e pai descendente de cearenses brancos, o jogador volta à sua aldeia todos os fins-de-semana.
Resolveu abandonar o profissionalismo, onde tudo que recebia eram prêmios de R$ 50 por vitória, para ajudar Três Corações a vencer o megatorneio.
Ele não foi o único índio a jogar numa equipe profissional.
O ala Guimarães, da comunidade do Contão, está no Baré, o mais popular clube roraimense.
Para Bacurau, uma das principais vantagens dos índios sobre os brancos é o preparo físico, aprimorado nas caçadas.
"Não há hora para nós. Como jogamos sob sol, a qualquer instante, ficamos resistentes."
Os macuxis costumam ainda hoje fazer pequenos cortes na batata da perna, onde aplicam uma mistura de ervas.
Eles acreditam que a poção evita varizes e fortalece a musculatura.
O futebol é a sua mais nova frente cultural de embate com os brancos -a principal, mais objetiva, é a exigência de demarcação de terras.
É o que exigiram 300 índios numa manifestação há duas semanas, na visita de Fernando Henrique Cardoso a Roraima.
(MM)

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