São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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Padres jogam com indígenas

MÁRIO MAGALHÃES
DO ENVIADO À MALOCA DA RAPOSA (RR)

Na reunião dos dirigentes das equipes para aprovar a fórmula do campeonato, um tuxaua (chefe político) octogenário representou sua comunidade, junto com o técnico do time.
Ele concordou com a proposta apresentada por Warloman Barbosa, assessor esportivo do governo estadual, patrocinador da competição, e recebeu um conjunto de camisas e calções.
Se dependesse apenas de sua vontade, o tuxaua não estaria ali. Uma semana antes, os jovens da sua aldeia se rebelaram contra a decisão do líder de não enviar uma seleção para o torneio.
O tuxaua é também pastor da Igreja Batista. Para defender a oposição ao futebol, pregava que "bola é uma coisa do diabo". Pressionado, dobrou-se.
Religião e futebol
O futebol une e a religião separa os macuxis. A comunidade de Cantagalo, por exemplo, é católica. A do Contão, batista.
Quando um índio cai doente de malária ou tuberculose no Contão, não é levado para o hospital mantido por missionários católicos em Surumu, a menos de 40 km.
Os líderes macuxis evangélicos preferem transportar o enfermo por 201 km, até Boa Vista, para não interná-lo com os padres.
A expansão das religiões européias talvez seja o maior traço do aculturamento dos macuxis.
No século 19, eles eram considerados "insolentes e rebeldes" por se recusarem a ensinar sua língua aos brancos, conforme relata Aimberê Freitas em "Geografia e História de Roraima".
Em 1974, havia celebrações católicas na Maloca da Raposa no idioma macuxi, conta o jogador Bacurau, do Três Corações.
Hoje, só os mais velhos falam macuxi. Na escola da Maloca da Raposa, a turma da 7ª série recebe duas aulas semanais de inglês, mas nenhuma de macuxi.
Uma das poucas escolas do idioma indígena no norte de Roraima é mantida por missionários, os mesmos que incentivaram o futebol nas aldeias.
No internato de Cantagalo, padre Antônio costuma jogar com os índios.
Entre os hábitos ancestrais trazidos do Caribe, de onde teriam fugido de colonizadores, os macuxis mantêm a agilidade na caça (veados, capivaras, pacas e as poucas onças que restam no lavrado) e a opção pela poligamia -um índio chega a ter quatro mulheres.
Até hoje, os mortos não são enterrados, mas colocados em panelões funerários ao relento.
(MM)

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