São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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CDs celebram vozes de velhos senhores

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Entre mortos (Sam Cooke, Marvin Gaye, Otis Redding), inativos (Sly Stone, Ike Turner, Cassiano) e instáveis (Al Green, Curtis Mayfield, Smokey Robinson, Wilson Pickett), a figura do soulman mostra estar em progressiva extinção. É o que torna um evento o lançamento de "The Definition of Soul", do vozeirão Solomon Burke. Mas não só isso.
Burke (que, não à toa, aparece evanescendo em sua única foto no CD) foi, desde os 60, um dos pontas-de-lança do que poderia se chamar "rock'n'soul", reinado da voz negra a plenos pulmões e de impressão emocionada combinado às levadas típicas do rock'n'roll -gênero negro em sua gênese.
Ao longo de sua carreira -com ápice nos anos que passou na gravadora Atlantic, entre 1961 e 1968, mas também com trabalhos de brilho nos 70-, apegou-se a modalidades que se diriam "rurais" da soul music e, afinal, ao gospel, via atividade religiosa paralela.
Pois bem. Embora pouco badalado pela mídia pós-moderna, Burke volta à atividade em forma, em muita forma. "The Definition of Soul" contém momentos capazes de arrepiar a medula de tão arrasadores.
Assim é, por exemplo, o hino "Your Time to Cry", ele sozinho perfeitamente rotulável de "definição do soul". O mesmo acontece em "Oooooo You", que começa com ruídos telefônicos (mítica frequente no soul negro, até de brasileiros como Jorge Ben e Tim Maia) e se alonga em lânguido e melancólico canto-fala.
Não fica nisso. As variáveis do rock'n'soul aparecem em faixas como "Sweet Spirit", encorpada de balanço em macios sete minutos de duração, num namoro explosivo com o funk (oh, Sly Stone, onde anda você?).
A faixa, acredite ou não, chega a incluir batidas programadas que aproximam-na da mais discotequeira dance music -só mesmo um soulman teria estatura para colar rock a dance e obter como resultado o mais puro pop negro.
Mais adiante, o rock'n'soul arrefece em "Everybody's Got a Game", dueto com o autodenominado (com plena justiça) criador do rock'n'roll, Little Richard.
Este, outro soul-rocker caído na instabilidade, emite seus gritos modulados habituais e garante a permanência do mito, embora evidentemente enfraquecido.
Vocais femininos dão o suporte, num raro momento em que o soul mais agressivo de Burke se assemelha ao pop negro da Motown de Supremes, Jackson Five e cia.
Ainda sobra: ora o mestre se aproxima do blues, ora flerta com o jazz, ora fica simplesmente pop. É aí que o segredo se estabelece: o soul nunca se furta da soberania, outros gêneros são meros súditos. Solomon Burke é, de fato, sinônimo de soul. Longa vida a eles.

Disco: The Definition of Soul
Artista: Solomon Burke
Lançamento: Pointblank (importado)
Quanto: R$ 24
Onde encontrar: London Calling (tel. 011/223-5300)

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