São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Gabriel Figueroa inventou o céu e agora caminha por lá

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

E que disto ninguém duvide. Gabriel Figueroa vai para o céu porque o céu é uma invenção sua. Aqueles grandes planos cinematográficos, as grandes perspectivas em que a tela era e é preenchida por apenas 20% de chão e 80% de céu, tudo foi sacado por Figueroa, em 1933, quando ele era apenas fotógrafo de cena de um filme menor chamado "Enemigos", de Chano Urueta.
Ele fez o cinema ingressar em uma nova dimensão, uma dimensão que, como o próprio Figueroa disse à Folha em junho de 95, "ajudava a explicar o que movia os homens na natureza e em meio a seus contornos dramáticos".
Logo a criação de Figueroa, aliada a cenários áridos e à obstinação dos pioneiros do cinema, foi a maior contribuição à mitologia do western à figura solitária dos seus "cowboys".
John Ford, e depois Luis Buñuel, se encantariam com a magia de luzes e sombras e as perspectivas criadas pelo diretor de fotografia mexicano, um dos melhores de toda a história do cinema.
Convidado para ser homenageado no centenário do cinema pela Mostra Internacional de Cinema de 1995, Figueroa cumpriu em São Paulo o seu último compromisso internacional. A entrevista exclusiva para a Folha, que precedeu a visita, virou depois o livro "O Mestre do Olhar" (Edições da Mostra). Foi nesse depoimento que Figueroa insistiu na maldição persecutória do macarthismo, que lhe fechou as portas de Hollywood.
John Ford, por exemplo, o maior admirador de Figueroa, só conseguiu a sua contratação como diretor de fotografia para um único filme, "The Fugitive" (Domínio dos Bárbaros), em 47.
Figueroa teve a convicção até morrer que o seu nome continuava na lista negra do cinema americano "por acolher refugiados políticos no México e por se negar a colaborar com as autoridades americanas que caçavam os comunistas e seus simpatizantes infiltrados na sua indústria cultural". Ele atribuía a sua inclusão nessa lista negra a traições dos cineastas Robert Rossen e Elia Kazan.
Banido ou não de Hollywood, a imagem de Gabriel Figueroa está no mural do lobby da sede da Kodak em Los Angeles, EUA, sobreposta a uma imagem de trilhos de bonde de seu filme "Vitimas del Pecado", de 48.
A honra concedida no belíssimo mural é apenas dividida com mais três personalidades do cinema: os suecos Ingmar Bergman e Sven Nykvist, diretor de fotografia de Bergman, e o igualmente mitológico e pioneiro Karl Struss, diretor de fotografia americano que estreou em 1919 em filmes dirigidos por Cecil B. De Mille.
Figueroa fotografou sete entre os melhores filmes da fase mexicana do cinema surrealista de Luis Buñuel, entre eles "Los Olvidados", em 50, "Nazarín" (58) e "El Ángel Exterminador" (62).
Figueroa sempre preferiu imagens em preto-e-branco por atribuir-lhes mais dramaticidade.
Citava "Guernica", de Picasso, como o melhor exemplo: "Foi o único mural político de Picasso, o rei da cor, e era em preto-e-branco". Ele não cansava de dar lições de cinema a quem quisesse ouvir.
"Sem um bom roteiro não existe um filme. Um bom roteiro deve ter sempre um conflito a realçar. Sem conflito não existe uma obra", dizia citando o fiasco do projeto brasileiro "It's All True", que desgraçou Orson Welles.
Frente aos avanços técnicos no campo das imagens, Figueroa repetia a mesma cartilha que disse ter seguido para dominar a perspectiva e a iluminação: "O que aconselho aos estudantes é que sigam muito a pintura através dos livros. Que estudem Vermeer e Rembrandt. Vermeer porque segue a luz com uma precisão impressionante. Não é melhor do que Rembrandt, mas, para um estudante, a luz de Vermeer é mais reveladora. Que sigam depois a Vélasquez, com sua perspectiva, e a Goya com seus caprichos."
Figueroa também recomendava o estudo de Leonardo Da Vinci -e um tratado desse sobre a "cor da atmosfera"-, o cinema expressionista alemão e "O Encouraçado Potemkin", de Eisenstein. "Tudo isso para dominar a perspectiva", explicava. "E, depois da perspectiva num filme, vem a composição do quadro; por fim, a iluminação, assim nessa ordem."
"Mas na hora em que estou pensando nessa ordem vêm os elementos criativos", dizia como quem se desculpava, para concluir como um maestro tão genial quanto modesto na sua grande sabedoria e sensibilidade: "A criatividade não tem fórmulas para definir."

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