São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997 |
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"Ruth" é filme de engajamento mauricinho
PAULO VIEIRA
Se alguém, isso posto, ainda tiver vontade de ir ao cinema, vamos ao que menos interessa, o tema. Ruth (Laura Dern, afetada) é uma junkie viciada em drogas menores (tinta spray inalada em sacos de supermercado) e sua única preocupação na vida é encontrar a melhor maneira de despistar os vigilantes das lojas de material de construção que saqueia. A trama evolui quando ela é detida -coisa corriqueira na ação. Ela está grávida, e o juiz sugere que aborte, modo pelo qual ela poderia ter a pena relaxada e, quem sabe, deixar o xilindró. A partir daí entram em cena os dois grupos oponentes do filme. De um lado, a nova família que lhe paga a fiança e a adota, doravante chamada de "Pró-Vida", que se horroriza com a possibilidade de Ruth abortar. Dá a ela casa e comida, mas faz uma pregação xiita antiaborto pelos próximos 40 minutos do filme. O diretor então se esforça por apresentar os mais nítidos estereótipos possíveis. Os pais adotivos de Ruth (da Pró-Vida) rezam à mesa. a filha rebelde, sai às escondidas pela madrugada (Ruth a acompanha na primeira noite), o pai sente desejo carnal -e o reprime- por Ruth. "Pró Escolha" "Não será diferente com a segunda família, que a liberta da primeira numa ação no entorno de uma clínica de aborto. (Os pais Pró-Vida comandam uma milícia que constrange clientes da clínica). Infiltrada, está Diane (Swossie Kurtz), que aproveita uma decepção dos "pais" de Ruth com ela para pedi-la "emprestada". Bem-sucedida em seu plano, Diane então revela a Ruth sua real identidade -é uma "Pró-Escolha". Como tal, tem preferências homossexuais, guarda batas indianas no guarda-roupa e sua companheira veste camisetas com a efígie de Frida Khalo. Seu objetivo é contribuir para que pessoas tenham o direito de fazer aborto. Ruth então é jogada no oposto/complementar de seus pais Pró-Vida. Os valores de uns e de outros parecem diferentes, mas não são. Tanto lá como cá, Ruth é proibida de beber e tem que muquiar garrafas de conhaque debaixo da cama para não ser castigada. "Pró-Aborto" Alheia à pregação de sua família Pró-Escolha -uma melhor designação seria "Pró-Aborto" mesmo-, Ruth só se sensibiliza com a idéia do aborto quando o segurança de Diane lhe acena com uma nota preta. Isso horripila a ética de Diane, mas parece, em todo o caso, funcionar. A reação não tarda a chegar. Cercando o rancho em que Ruth é mantida prisioneira, os Pró-Vida armam um enorme barraco. Caminhões de som e a própria mãe de Ruth são chamados para tentar convencê-la a preservar a vida do futuro bebê. Entra em cena Burt Reynolds, representando o grande chefe da nação Pró-Vida, um homem que mantém um jatinho particular e carrega um adotivo -fruto bem-sucedido de uma antiga trincheira-, que lhe massageia as costas. Mune-se do mesmo expediente que faz Ruth inclinar-se por qualquer ideologia -uma grana ainda maior que a oferecida pelo segurança. A saída alegórica -repórteres de TV, helicópteros sobrevoando a casa de Ruth, multidão enfurecida- reforça então o desejo do diretor de parecer imparcial. Refugia-se no que chama de comédia para levar seu objetivo mauricinho a cabo. Filme: Ruth em Questão Produção: EUA, 1996 Direção: Alexander Payne Com: Laura Dern, Burt Reynolds, Tippi Hedren, Swoosie Kurtz, Kurtwood Smith Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 3 Texto Anterior: Gabriel Figueroa inventou o céu e agora caminha por lá Próximo Texto: 'Ligadas' vende lesbianismo Índice |
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