São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Participante da ação diz que filme é leviano

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O economista Paulo de Tarso Venceslau, 53, foi um dos quatro homens que entraram na limusine do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, na tarde de 4 de setembro de 1969.
Para Venceslau, o filme de Bruno Barreto é "leviano" e tem muitas infidelidades históricas, motivadas "ou por preguiça intelectual ou por uma opção ideológica de preservar a ditadura."
O então militante da ALN (Ação Libertadora Nacional) não ficou na casa onde Elbrick foi mantido em cativeiro. Participou, entretanto, da operação de soltura do embaixador. Entrevistado em sua casa, em São Paulo, Venceslau pormenoriza suas críticas ao filme.
*
Folha - O filme mostra que os órgãos de segurança já sabiam onde Elbrick estava escondido.
Paulo de Tarso Venceslau - Não é verdade. Havia mais de 200 casas sob suspeita. A repressão não tinha como saber que ele estava lá.
Folha - Mas quando vocês saem em comboio para entregar o embaixador são seguidos por dois carros policiais.
Venceslau - Não foi isso o que aconteceu. Havia só uma viatura estacionada ali perto fazendo policiamento normal. Começou a nos seguir, suspeitando da movimentação. Um carro nosso colocou-se ao lado da viatura. Vendo as metralhadoras, os policiais fugiram.
Folha - No filme, um carro policial intercepta o outro e deixa vocês fugirem.
Venceslau - Mostra-se a repressão contendo seus "radicais" e preocupada com a integridade de Elbrick, temendo um tiroteio. No fundo, é como se a ditadura tivesse salvo o Elbrick.
Folha - O que você achou do tratamento dado ao torturador?
Venceslau - Os guerrilheiros são caricaturados, Gabeira aparece como o único a ter uma visão crítica do processo, e o torturador é apresentado como figura humana, cheia de conflitos.
Folha - Não era possível o torturador ter conflitos?
Venceslau - A repressão na época era clandestina. Só participavam os oficiais mais comprometidos ideologicamente com a ditadura. Eles não tinham conflito nenhum.
Folha - Por que Elbrick deixou o Brasil?
Venceslau - O filme não diz que ele na verdade foi expulso do Brasil. Ele tinha dado entrevistas nos elogiando. Na cadeia, vi como os agentes da repressão odiavam o Elbrick. Referiam-se a ele com palavrões.
Folha - Nem como "thriller" o filme funciona?
Venceslau - Poderia ser melhor. Em pleno sequestro, um comando de pára-quedistas invadiu a Rádio Nacional do Rio, lançando um manifesto contra a soltura dos presos políticos. Imagine a tensão, se tivessem filmado isso.
Folha - Senti falta de informarem o destino dos sequestradores.
Venceslau - Fui preso quase um mês depois do sequestro. Jonas (que comandou a ação) foi assassinado um dia antes de eu ser preso. Na cela onde fui torturado, havia ainda pedaços do cérebro dele espalhados no chão.

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