São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Instituições à deriva

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Há algum tempo, pacifistas alemães contrários à movimentação de ogivas nucleares em seu território colocaram-se em frente aos quartéis para impedir a locomoção de veículos militares. Desalojados de suas posições sem violência, foram posteriormente condenados pela Justiça de seu país por terem perturbado a ordem, nada obstante apenas terem se sentado em frente aos quartéis.
A condenação baseou-se no fato de que, numa democracia, todos têm o direito de protestar, sem, porém, perturbar a ordem, o direito de ir e vir, o bem-estar e a propriedade de terceiros.
Dessa forma, preservaram os tribunais alemães, de um lado, o direito de protesto, mas, de outro lado, a ordem, o bem-estar social e as instituições.
Ao comparar o exemplo alemão com o que está ocorrendo no Brasil, qualquer observador percebe que as instituições estão à deriva.
Dir-se-á que a ruptura permanente dos direitos dos cidadãos e do Estado decorre da necessidade de reformas no país, e que só a violência, com as invasões de propriedades privadas e públicas (terras, empresas, instituições públicas), gerando o desrespeito à lei vigente, é que poderá obrigar o governo a promover tais reformas, sem esperar o caminho democrático e próprio das nações civilizadas, ou seja, a ação dos representantes eleitos pelo povo para o Parlamento e para o Executivo.
Alguns líderes de partidos políticos ou de movimentos reivindicatórios insistem em que apenas dessa forma, isto é, com clara violação à ordem jurídica, será possível obter as reformas que eles, líderes desses movimentos ideológicos, desejam para o país.
Ocorre que, em uma democracia, cabe ao povo decidir o que deseja e eleger os seus representantes para produzir as reformas que considera ideais.
Ora, os líderes desses partidos e movimentos são exatamente aqueles que perderam as eleições passadas, com o que o caminho natural para impor suas reformas seria elegerem-se, nas próximas eleições, podendo então proceder tais reformas, dentro da lei, da ordem pública e do regime democrático.
O caminho da violação e da radicalização, com ameaças permanentes de que, se o governo que os venceu nas últimas eleições não atender suas reivindicações, continuarão a desrespeitar a lei, as propriedades, os poderes públicos, invadindo terras e prédios, e mantendo pessoas como reféns para suas reivindicações, à evidência, não é o caminho ideal para o fortalecimento da democracia brasileira.
E, neste particular, o governo federal tem demonstrado fraqueza em enfrentar tais rupturas, ainda localizadas, da ordem pública, pois, em vez de exigir o rigoroso cumprimento da lei, cede e, cedendo, estimula a que os radicais sejam cada vez mais violentos.
Estou convencido de que muitas reformas são necessárias no país. As reformas agrária, política, social, administrativa, tributária devem ser à exaustão discutidas, numa sociedade pluralista como a brasileira. Os caminhos próprios, todavia, passam pelos representantes eleitos. Por piores que sejam -e muitos são bons-, são aqueles que devem ser pressionados pelo povo, dentro da ordem e da lei.
E, à nitidez, as oposições, se estão entendendo que o governo federal vai mal, devem se preparar para derrotá-lo no único caminho que fortalece as instituições, ou seja, na eleição popular. Se a sua proposta for melhor, e o povo dela estiver convencido, certamente ganharão as futuras eleições.
O que não se pode é pôr em risco todos estes anos de luta pela consolidação democrática devido à radicalização de reivindicações que passem pelo desrespeito à lei e à ordem constituída. Isso porque a violência e o esgarçamento das instituições provocam reação semelhante, e nada é pior do que tal tipo de confronto, em que, de início, sabe-se qual será a grande derrotada: a democracia brasileira.

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