São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997
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Novo livro seria destinado a pais e filhos

FERNANDO ROSSETTI
DE NOVA YORK

Quando esteve em Nova York, há um mês, Paulo Freire escrevia um novo livro que se chamaria "Cartas Pedagógicas". Ainda em fase inicial, esse seu trabalho já tinha a marca de toda a obra freiriana: a vinculação da educação com o cotidiano das pessoas e também com a vida política do país.
"É sobre determinados envolvimentos nossos na vida em casa, na relação doméstica, na relação da escola, da rua, procurando esclarecer como essas relações têm muito que ver com o destino democrático do Brasil", disse Freire, na sua última entrevista concedida à imprensa escrita.
Na época, ele acabara de lançar seu último livro, "Pedagogia da Autonomia" (Ed. Paz e Terra). A seguir, trechos inéditos da entrevista, no último dia 27 de março.
ÚLTIMO LIVRO
Eu escrevo um livro desses porque estou convencido que mudar é difícil, mas é possível. E escrevo fazendo um apelo para que se possa fazer qualquer coisa no sentido de melhorar a educação brasileira.
Para isso, é urgente que se respeitem as professoras e os professores. E uma das condições de respeitar é pagar bem, ou menos imoralmente. A outra é acreditar.
AUTORIDADES
Você já observou como as autoridades brasileiras, por mais discursos democráticos que elas façam, nunca acreditam na autonomia das educadoras, na possibilidade que as educadoras têm de manejar suas escolas? Elas entopem as escolas de pacotes, de diretivas, de guias.
Isso é uma das tradições histórico-autoritárias desse país, que é o chamado centralismo. Quer dizer, o centro do poder não acredita na periferia, despeja ordens a serem seguidas, que chamam mais discretamente de orientações.
NOVO LIVRO
Eu estou agora escrevendo um outro pequeno livro -escrevi até um pouco aqui, em Nova York-, que vai se chamar "Cartas Pedagógicas". Eu estou pensando em dirigi-lo aos pais, às mães, aos meninos também -é mais difícil, por causa da minha linguagem-, às professoras e aos professores.
É sobre determinados envolvimentos nossos na vida em casa, na relação doméstica, na relação da escola, da rua, procurando esclarecer como essas relações têm muito a ver com o destino democrático do Brasil. Não creio que a pedagogia seja tudo, mas creio que sem ela também não se faz nada.
ANÍSIO TEIXEIRA
Eu nunca me esqueço de uma frase muito forte e peço até licença aos leitores para dizer isso, porque implica falta de humildade da minha parte. Mas eu me lembro de uma das minhas primeiras conversas com um homem extraordinário que esse país produziu, que foi Anísio Teixeira (1900-1971), e que muito adolescente de 25 anos vive dizendo que "já era".
Eu acho isso um desrespeito à seriedade científica. Você pode dizer que discorda da compreensão pedagógica que Anísio defendeu, da maneira como ele olhava essa civilização, mas você não pode dizer que "já foi".
Mas, conversando comigo nos meus começos, ele um dia me bateu a mão no ombro e me disse: "Você sabe, Paulo, uma coisa que me alegra muito, que você esteja ficando cada vez mais no campo da educação, é que de um modo geral se pensa que no campo da educação só deve haver gente incompetente e que portanto não merece respeito."
E era um desabafo de Anísio. Porque no fundo Anísio foi um dos homens mais inteligentes, mais criadores desse país.

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