São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997
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A ousadia e a misericórdia

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Leio nas folhas que o ministro Sérgio Motta ameaça uma "política ousada" do governo no campo social. Não, não se trata de um ousado rasgo de generosidade oficial e, sim, de uma etapa para a reeleição do presidente da República. A masturbação sociológica dará lugar a ousados investimentos na saúde, educação, mercado de trabalho etc.
Esses espasmos eleitorais são periódicos. Um deputado baiano, que sempre os há, lembrou que no ano passado o presidente reuniu o ministério com pompa e circunstância para anunciar uma geração de empregos que nunca saiu do papel. O ministro Kandir, quando tomou posse, apresentou um mirabolante plano de realizações que além de retomar o desenvolvimento criaria milhões de empregos.
Até agora, além de não gerar novos núcleos de trabalho, FHC só conseguiu criar a possibilidade de um emprego para si próprio, no caso da reeleição. No mais, continuamos descendo a encosta de uma das maiores crises sociais das muitas que já atravessamos.
O esforço presidencial para mostrar um governo moderno esbarra na realidade constrangedora. Durante anos, a imagem do Brasil foi arranhada pelo regime militar e pelas violações dos direitos humanos. Hoje, FHC tem de explicar aqui e lá fora a sucessão de massacres dos sem-terra, dos presidiários, dos doentes nas clínicas de hemodiálises e de geriatria, de menores e até de um índio vítima da sanha pirotécnica de jovens da classe média.
Pode parecer exagero colocar tamanha modernidade no saco de desditas do presidente. Mas todos esses crimes revelam que o Brasil neoliberal e globalizado de FHC tem alguma coisa de errado. A prioridade em equilibrar a contabilidade oficial está custando um preço caríssimo. Daí a ameaça em investir na área social, abandonada à misericórdia de dona Ruth -e nada mais antigo do que considerar o problema social coisa de mulher. Além do erro em si, tem um bafio machista.

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