São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997
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Copa dos Rios anima alagados da Amazônia

MÁRIO MAGALHÃES
EM SÃO PAULO DE OLIVENÇA (AM)

O barco navegava carregado de jogadores, um time inteiro de futebol, o de Carauari (AM). Quase uma semana antes, ele deixara a cidade, às margens do rio Juruá, e já se aproximava de Manaus.
A viagem estava prevista para sete dias, até a equipe chegar à capital para disputar as semifinais da Copa dos Rios. Mas a embarcação, um tanto envelhecida, avançava tropegamente e naufragou.
Desesperados, os atletas pularam nas águas do rio Solimões, cuja correnteza, ali, era forte. Sobreviveram por achar galhos onde se segurar até serem resgatados.
Pegaram carona para Manaus, onde morreu o sonho do título, mas ainda hoje contam, orgulhosos, o susto nas águas do Solimões.
A Copa dos Rios é assim: as grandes façanhas ocorrem fora dos campos, em viagens fluviais acidentadas, de até 15 dias só de ida, tudo por um jogo de futebol.
Herdeira do tradicional Intermunicipal Amazonense, é a maior competição futebolística do mundo, considerando as distâncias percorridas em rios, normalmente o único meio para chegar aos locais das partidas.
Neste ano, participam 48 seleções de cidades à beira do Amazonas, Negro, Solimões, Juruá, Castanho, Madeira, Maués e Purus.
É o principal evento da Federação Amazonense de Futebol no primeiro semestre -o Campeonato Estadual, com oito clubes de Manaus e um de município vizinho, começará depois de junho, caso venha a acontecer.
'Onça medrosa'
Como a Copa dos Rios veta jogadores profissionais, dezenas deles pedem à CBF reversão ao amadorismo, recebendo dinheiro de prefeitos para fortalecer os times.
Só a seleção de Manaquiri acaba de reverter seis. Em 1995, 28 atletas que jogaram o torneio se inscreveram depois como profissionais.
A rivalidade entre as cidades da floresta amazônica é tamanha que, no ano passado, a federação cancelou a Copa, temendo que os esforços de políticos para defender seus times, às vésperas das eleições, pudessem passar dos limites.
Mais que feitos em gramados castigados, gols e títulos, a Copa deixa como herança histórias prosaicas e um tanto exageradas.
Calango, goleiro reserva do time de Santo Antônio do Içá, ganha a vida como pescador. Ele jura que já pegou uma piraíba, o "tubarão amazônico", de sete metros.
O peixe, acreditam comunidades ribeirinhas, tem como prazer supremo devorar criancinhas. Mas, apesar da mandíbula avantajada, a espécie tem no máximo 3 metros.
O técnico da equipe de Amaturá, o professor de física Djalma Araújo, já matou uma onça.
"Onça aqui é medrosa. Papai quase morreu de susto uma vez ao dar de cara com uma. 'Tou morto', ele gritou. Aí, ela morreu."
Mas nem tudo é mentira no futebol da selva -o relato seguinte é avalizado por testemunhas:
O técnico da seleção de São Paulo de Olivença, o professor de matemática Lauro Castelo Branco Filho, o Laurito, ainda jogava quando por pouco não morreu numa viagem do time.
"Era madrugada e estávamos num barquinho frágil, casca de pau. Um navio vinha em sentido contrário, não conseguimos desviar e tivemos que cair n'água."
Mata-mata
As equipes de Calango, Djalma e Laurito se encontraram em abril para uma rodada de três dias pela primeira fase da Copa dos Rios, todos jogando contra todos.
As três cidades ficam no Alto Solimões. São Paulo de Olivença, a sede dos jogos, está cerca de 1.000 km a oeste de Manaus -ninguém sabe ao certo, a referência local são os dias navegando até o destino.
A delegação de Santo Antônio do Içá viajou por 21 horas, chegou com o barco rebocado por causa de pane no motor e ficou concentrada na própria embarcação.
O time de Amaturá demorou 11 horas e 30 minutos. Hospedou-se no prédio onde funcionava um seminário, ao lado da igreja.
Os três árbitros viajaram por 11 horas desde Benjamin Constant, cidade fronteiriça com o Peru onde tinham apitado dias antes.
Na sexta-feira, Santo Antônio e Amaturá empataram em 1 a 1. No sábado, São Paulo derrotou Santo Antônio por 1 a 0. No domingo, São Paulo e Amaturá se igualaram em 0 a 0 e se classificaram, eliminando Santo Antônio.
Na próxima fase, a partir do próximo domingo, os dois sobreviventes fazem dois jogos, num mata-mata de ida e volta para definir quem manterá a esperança de ir às finais em Manaus, aonde só se chega depois de uma semana pelo rio.

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