São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Jazz conduz a trama em "Kansas City", de Altman

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Kansas City", de Robert Altman, exibido no ano passado nos cinemas, não recebeu a atenção que merecia da crítica e do público. É difícil entender por quê.
O filme tem o melhor de Altman: a habilidade em entrelaçar histórias, a ironia subversiva, o humor cáustico, a elegância formal. Em "Kansas City" há ainda a concentração no tempo e no espaço: um dia de eleição em Kansas City, Missouri, em 1934.
Há três focos narrativos que se cruzam a todo instante. Num deles, Johnny O'Hara (Dermot Mulroney), um marginal pé-de-chinelo branco, depois de assaltar um cliente do poderoso gângster negro Seldom Seen (Harry Belafonte), é preso por este e ameaçado de tortura e morte.
Em outro foco, Blondie (Jennifer Jason Leigh), a namorada maluquete de Johnny, sequestra a mulher junkie (Miranda Richardson, impagável) de um político local para forçá-lo a resgatar o rapaz da mão dos gângsteres.
Por último, há uma adolescente negra que chega grávida do interior, perde-se de suas benfeitoras e acaba acolhida por um garoto saxofonista, também negro, que vem a ser (virá a ser, melhor dizendo) o grande Charlie Parker.
O jazz, aliás, serve como um dos dois panos de fundo dessa intrincada trama. O outro é a eleição, manipulada por capangas a serviço dos democratas.
Mas é o jazz que conduz a narrativa. O tempo todo, a música que se ouve é a tocada pelos músicos do bar negro Hey Hey Club, em cujos fundos Johnny sofre seu suplício. A câmera volta sempre ao clube, como numa pontuação entre as cenas.
E os músicos verdadeiros que tocam ali -fazendo as vezes de monstros sagrados como Lester Young, Coleman Hawkins e Count Basie- são gente do calibre de Joshua Redman e Ron Carter.
Embalado por essa música sinuosa e envolvente, Altman constrói um mundo de pernas para o ar, em que -pelo menos no espaço de um dia- o negro domina, o branco é oprimido, a mulher lidera a ação, o democrata comete fraude.
Significativamente, o fato desencadeador de toda a trama é cometido por um branco, Johnny, com a cara pintada de negro.
Como os melhores filmes de Altman, "Kansas City" é uma festa para os olhos, os ouvidos e a inteligência.

Vídeo: Kansas City
Produção: EUA, 1996
Direção: Robert Altman
Elenco: Jennifer Jason Leigh, Miranda Richardson, Harry Belafonte
Lançamento: Top Tape (011/826-3066)

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