São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Brasileira anuncia superprodução do Soleil

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos sete anos, a brasileira Juliana Carneiro da Cunha vem brilhando como atriz de uma das mais importantes companhias teatrais da atualidade: o Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Mnouchkine e sediado em Paris.
Durante a rápida passagem de Mnouchkine por São Paulo, na última semana, quando apresentou no Sesc um documentário seguido de debate, Juliana falou à Folha sobre sua experiência no Théâtre du Soleil, que no fim deste ano estreará mais uma superprodução, ainda sem título, sobre um texto da escritora francesa Helne Cixoux.
"Ariane é um farol deste século, uma pessoa que nos guia, sem sectarismos. Para mim, é um presente de Deus estar trabalhando no Théâtre du Soleil, onde descubro, a cada momento, o quanto ainda é possível se diversificar como intérprete", afirma Juliana, 48.
Bailarina que virou atriz, Juliana estudou em São Paulo com Maria Duschenes, uma das pioneiras da dança moderna no Brasil. Aos 19 anos, foi para Essen (Alemanha), para estudar na legendária escola Folkwang, ponto de referência da dança expressionista, onde Pina Bausch já lecionou.
A trajetória de Juliana ainda incluiu um marcante período no Mudra, a escola experimental fundada em 1970 por Maurice Béjart na Bélgica. Na época, chegou a participar do espetáculo "Nijinsky, Clown de Dieu", ao lado do bailarino Jorge Donn.
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Folha - Como você ingressou no Théâtre du Soleil?
Juliana Carneiro da Cunha - A cada dois anos, no intervalo entre duas produções, Ariane Mnouchkine realiza uma oficina teatral aberta para atores inscritos, vindos de várias partes do mundo. Dos cerca de 1.500 candidatos que costumam se inscrever, são escolhidos de 150 a 200.
Participei da oficina de maio de 1990. Eu já estava morando na França e, na época, fazia parte do grupo da coreógrafa Maguy Marin. Na seleção para a oficina de Ariane, realizei uma improvisação sem texto, sobre o tema do amor e ao som de uma música grega muito ritmada. Graças a todo o meu passado de dança, não tive dificuldades e lembro que Ariane ficou muito bem impressionada.
Em agosto do mesmo ano, fui admitida no Théâtre du Soleil para interpretar Clitemnestra em "Les Atrides", que o elenco já vinha ensaiando e que estreou em outubro.
Folha - No processo criativo do Théâtre de Soleil as máscaras são muito importantes. Por que?
Juliana - Nosso processo criativo começa já nas oficinas. Desde esse estágio utilizamos máscaras de Bali e da Commedia dell'Arte, para trabalhar com leis teatrais básicas, como a verdade, a calma, as capacidades de escutar e receber.
As máscaras tornam esses princípios muito evidentes e agilizam o aprendizado. Também influem na conscientização do ator, ajudando-o a perceber o que é teatro, o que é contar, interpretar, permitindo enfim que sejamos invadidos pelo personagem.
Depois, quando começamos a ensaiar uma peça, usamos durante as improvisações máscaras colocadas ou maquiadas. Mesmo quando não as usamos, imaginamos que estamos com elas.
Folha - Como é a relação dos atores com a música?
Juliana - Temos um compositor, Jean Jacques Lemêtre, que trabalha conosco desde o primeiro segundo do ensaio até o último segundo da apresentação de uma peça. Lemêtre cria músicas de acordo com a respiração e a interpretação dos atores. Seu intercâmbio com o elenco é total. Ele conduz e se deixa conduzir por nós. Lemêtre traz para os ensaios cerca de 300 instrumentos musicais, de todas as partes do mundo. O universo sonoro que ele constrói inclui instrumentos de sopro, percussão etc.
Folha - Qual a importância da dança no seu desenvolvimento como atriz?
Juliana - A dança sempre foi fundamental para mim. Com os recursos que a dança me deu posso contar uma história com o corpo, com noções reais da pausa, do desenho, da dinâmica, da estética dos gestos que compõem os personagens. Tudo isso vem das aulas em São Paulo com Maria Duschenes, com quem estudei dos 10 aos 17 anos. Dona Maria não deixava que usássemos espelhos em classe, para que conquistássemos a consciência exata do que o corpo podia expressar, a partir de movimentos profundamente interiorizados.

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