São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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"Beatles me conquistaram", diz Martin

WAGNER ARAUJO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES

O produtor George Martin, 71, ficou famoso por produzir álbuns dos Beatles. Ele fala sobre a descoberta do grupo, o envolvimento dos integrantes com as drogas e as brigas internas nesta entrevista que concedeu à Folha, em Londres, durante a London Music Week, na última semana.
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Folha - Ao lado dos Beatles, o sr. entrou para a história. O sr. pensa no passado?
George Martin - Eu tenho tido muita sorte, mas não gosto de voltar ao passado. Na verdade, eu odeio fazer isso. Fiz isso na série "Anthology", há dois anos. Eu olho para frente.
Folha - O sr. cresceu querendo ser músico?
Martin - Na verdade, eu nunca pensei em seguir carreira na música. Eu queria ser designer de aviões. Mas um dia a minha professora de gramática, que era uma pessoa importante na cena musical da época, convidou a Orquestra Sinfônica de Londres para tocar na nossa escola. Eu nunca tinha ouvido uma orquestra, e aquilo me deixou maravilhado.
Folha - Como foi o seu começo na gravadora Parlophone?
Martin - Um amigo passou meu nome para um produtor que estava procurando por um assistente. A Parlophone era um pequeno selo de origem alemã dirigido por um inglês. Eu entrei como "trainee", sem saber o que esperar. Então aquilo tomou minha imaginação, e eu só queria continuar aquilo que estava fazendo.
Folha - E o seu primeiro encontro com os Beatles, como foi?
Martin - Eles gravaram duas músicas e decidiram procurar primeiro a EMI-Parlophone. O gerente-geral passou a fita para dois produtores que ouviram e disseram não. Então eles foram para outras gravadoras. Decidi me encontrar com eles. Assinei o contrato porque eles me conquistaram.
Folha - O fato de a loja de discos em Liverpool gerenciada por Peter Best ser uma grande cliente da EMI influenciou?
Martin - Não, porque eles não tocavam muito bem nem podiam escrever canções. Porém, apesar de muitos artistas na época gravarem "covers", eu sabia que tinha que encontrar uma canção para eles. A melhor era "Love Me Do". Outra era "Please Please Me". Eles gravaram, mas não gostaram. Então perguntaram se podiam gravar de novo. Dentro de algum tempo eles vieram com algumas idéias novas para as músicas, como a adição de harmônica, o que soou melhor. Quando as pessoas ouviram aqueles cabeludos tocando na TV, gostaram. Isso foi em 63.
Folha - O sr. pensa que o seu toque foi mágico?
Martin - Desde 1955 eu já estava dirigindo a Parlophone e ficava o tempo todo no estúdio. Eu não podia acompanhar tudo o que estava acontecendo. Se não fosse pela ajuda de meus secretários, eu não poderia ter feito sozinho.
Folha - Como produtor, o sr. chegou a falar para eles que alguma das músicas não era boa?
Martin - Duas ou três canções não eram comerciais, mas eu tinha que explicar para eles gentilmente. Mas não foi difícil porque cada nova música que eles me traziam era diferente da anterior.
Folha - Como surgiu a idéia de gravação do "Sgt. Peppers"?
Martin - O disco deveria ter sido lançado antes, como a gente tinha planejado, mas era um projeto mais elaborado, e a gente não teve tempo até aquele período. Algumas canções foram idéias individuais, por diferenças de temperamento naquela época. Mas no estúdio foi uma viagem de idéias como "vamos usar orquestração", "a gente podia usar uma orquestra com 90 músicos". Eu eu dizia: "Não, é desperdício de dinheiro".
Folha - Qual era a sua posição sobre o uso de drogas pelos Beatles naquela época? As drogas ajudaram no processo criativo?
Martin - Eu sabia a respeito. Mas eu não pensava que era perigoso. Elas os mantinham alegres e despertos por longas horas para gravar. Eles nunca usaram na minha frente. Sabiam que eu desaprovava. Para falar a verdade, eu não acho que as drogas os ajudaram a fazer discos melhores. Eles fizeram coisas fantásticas, mas não por causa das drogas.
Folha - O sr. foi o produtor grande parte do tempo. Como Phil Spector entrou na história?
Martin - "Let it Be" foi um tempo infeliz. Eles começaram a brigar por causa de dinheiro, de controle, e não se gostavam mais. John estava indo cada vez mais fundo nas drogas. Foi ele quem disse: "Nesse álbum nós não queremos nenhum produtor ruim. Nós não queremos ninguém bagunçando a produção e edição. Vamos fazer esse disco ao vivo, como nós somos". Eu disse: "Tentem". As sessões de gravação foram muito tristes. Eles pararam no meio. Abandonaram o projeto.
Folha - O sr. chegou a perder a paciência?
Martin - Numa situação como aquela, a arte do produtor é tirar o melhor. Se você fica nervoso, perde o controle. O que eu podia fazer era pedir para repetirem. Entretanto, ficou uma situação fora de controle, mas eu não queria abandonar aquilo. O que acontece é que John e George pegaram as fitas de "Let It Be" e levaram para os EUA. Eu fiquei bastante chateado, e o Paul magoado, porque as músicas dele foram processadas sem consentimento. Foi uma coisa infeliz, baixa. Graças a Deus eles se encontraram no final. John e Paul ficaram amigos de novo.
Folha - O sr. ainda recebe propostas para produzir discos?
Martin - A minha carreira com os discos está terminada. Mas isso não significa que eu estou aposentado. Eu tenho trabalhado com orquestras. Estou desenvolvendo um projeto com a BBC-1 para outubro ou novembro deste ano.

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