São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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O que vocês querem?

RUI NOGUEIRA

Brasília - Tem jeito de simples remelexo a revolução proposta pelo governador Mário Covas de unificação das polícias. Deve desaguar no mar das boas intenções.
Ganhei esta convicção ao reler uma entrevista, inédita, feita pela sucursal da Folha em Brasília, com o tenente-coronel holandês Cees de Rover. Consultor das Nações Unidas e especialista no treinamento em direitos humanos na segurança pública, Rover falou com a sucursal quando o Brasil ainda se ressentia do choque dos 19 sem-terra mortos em Eldorado de Carajás, ano passado.
Uma semana de Brasil bastou para Rover enxergar o óbvio e o nem tão óbvio. Os pecados veniais da nossa polícia: infra-estrutura precaríssima, falta de treinamento e baixos salários. O não-óbvio: o abismo entre sociedade e policiais. Mas sentenciou: "A polícia ainda é a principal instituição para proteger o cidadão".
O sacrilégio enxergado pelo tenente-coronel holandês se resume ao fato de que a sociedade considera policial um alguém fardado, que ganha pouco mais que o mínimo e deve guardar patrimônios -às vezes de alguns milhares de dólares- com sentimento de cidadania. Sempre que a situação o exigir, cai bem uma porção de heroísmo.
A emenda do governador Covas maquia uma situação, mas não pergunta qual polícia o Brasil quer ter. Os brasileiros não estão interessados em saber se as polícias vão ficar juntas ou separadas, se a rua pertence a fulano ou beltrano. Qual é a diferença entre as atuais polícias, separadas, e as mesmas polícias juntas?
Rover disse às autoridades brasileiras que não se pode escolher um policial pela altura ou força física, defendeu os testes de QI e provas de história, geografia, direito público, civil e penal. E alguém atalhou: com esses pré-requisitos, a adesão seria mínima.
Rover respondeu: "Que nível de policial vocês querem ter?".

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