São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Neo-escravos

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Corria a década de 20 do século passado. O Brasil cruzava uma fase crucial de sua história. Ardia em seus subterrâneos o debate sobre a escravidão. Em meio a uma atmosfera de receios e medos, marchava-se para a abolição.
Em texto remetido ao Legislativo do Império, em 1825, o abolicionista José Bonifácio de Andrada e Silva anotou: "Ainda hoje, perto de 40 mil criaturas humanas são anualmente arrancadas de África (...), transportadas às nossas regiões (...), destinadas a trabalhar toda a vida debaixo do açoite cruel de seus senhores, elas, seus filhos e os filhos de seus filhos, para todo o sempre!"
Em matéria de relações trabalhistas, avançamos muito desde José Bonifácio. Mas algo ainda aproxima o Brasil de 1997 daquela sociedade primitiva, recém-liberta da condição colonial.
Há entre nós um novo tipo de escravo: o escravo da miséria. Pessoas que, submetidas a padrões de vida degradantes, "vendem" sua mão-de-obra e a de seus filhos a preços aviltantes. O fenômeno arranca dos bancos escolares uma legião de crianças -3,8 milhões de menores entre 5 e 14 anos, segundo o IBGE.
Organismos internacionais propõem sanções comerciais, boicotes a produtos feitos à custa da sub-remuneração e do trabalho infantil.
Em artigo publicado ontem, aqui mesmo na Folha, Antonio Ermírio de Moraes se insurgiu contra idéia da OIT de criar um "selo social", algo que garanta o respeito a padrões trabalhistas mínimos. Segundo suas palavras, não há o que fazer contra o cativeiro da miséria senão "produzir mais, crescer depressa e exportar muito".
Volte-se ao texto de José Bonifácio: "E qual de vós quererá ser tão obstinado e ignorante que não sinta que o cativeiro perpétuo é não somente contrário à religião e à sã política, mas também contrário aos vossos futuros interesses e à vossa segurança e tranquilidade pessoal?"
Ainda outro dia Antonio Ermírio teve o relógio roubado por um dos "inempregáveis" de Fernando Henrique Cardoso.

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