São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Guerrilhas

ELEONORA DE LUCENA

De repente, a palavra voltou a aparecer no noticiário. Guerrilha. Parece um fenômeno extemporâneo, difícil de ser entendido num mundo tão monolítico como o de hoje.
Primeiro, foi o ataque à casa do embaixador japonês no Peru. Depois, o lançamento do filme "O Que É Isso, Companheiro?". Agora, é o próprio governo que se diz vítima de uma guerrilha no caso da privatização da Vale do Rio Doce.
Responsável direto pela venda da empresa, o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, partiu para o ataque retórico. Considerou a avalanche de ações judiciais que suspendeu o leilão uma tática guerrilheira.
Contundente e raivoso, ele chegou a comparar seus adversários aos apoiadores de Adolf Hitler. Carimbou de ilegítima a busca por liminares. Acuado, reconheceu a fragilidade do governo e pediu mudanças na Justiça.
A reação irada de Mendonça de Barros faz lembrar as outras guerrilhas em que o governo está envolvido. No Congresso, as votações das reformas administrativa e previdenciária parecem levar a processo semelhante.
Sempre exibindo confiança, quando a derrota surge de surpresa, o Planalto ataca com discursos fortes. Perplexo, xinga oposições e aliados de "traidores". Inventa neologismos para tentar desqualificar os inimigos da "guerrilha" que passou a enfrentar no Parlamento.
Outro "foco" de problema começou a aparecer nas ruas. Primeiro foi a marcha dos sem-terra. Os próprios integrantes do movimento assumiram sua face guerrilheira. De início subestimados pelo governo, foram parar na mídia mundial e na sala do presidente.
Depois aconteceram os protestos contra a venda da Vale do Rio Doce -os maiores desde que o processo de privatização começou. Houve violência e nova exposição do país no noticiário internacional.
Já quando o assunto é a economia, quem parece estar do lado da guerrilha é o próprio governo. O aumento de imposto para o crédito ao consumidor, que entra em vigor hoje, é mais um indício da adoção dessa tática.
O inimigo maior, no caso, são as contas externas. Somente nos primeiros quatro meses deste ano, o déficit comercial chegou a US$ 4 bilhões. Mais um recorde. No ano passado inteiro, o rombo foi de US$ 5,5 bilhões.
De fato, é o próprio modelo econômico adotado que gera os megadéficits. Com a força do Real cravada na entrada de dinheiro externo, o resultado não poderia ser outro. Como não quer mudar o jogo, o governo tenta enfrentar o monstro que ele próprio criou usando táticas de guerrilha.
Primeiro, lança incentivos às exportações. Depois, corta financiamentos para importações. Agora, tenta segurar o consumo para atingir, indiretamente, as compras externas. O objetivo é segurar o crescimento e evitar um desastre maior na balança comercial.
Assim, a guerrilha chega até o governo. Vamos ver quem vai vencer.

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