São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Juntos pelos direitos humanos

ENIR SEVERINO DA SILVA; LUIZ ANTÔNIO DE MEDEIROS; VICENTE PAULO DA SILVA

As três maiores centrais sindicais do país se unem para dizer sim ao projeto da parceria civil
ENIR SEVERINO DA SILVA, LUIZ ANTÔNIO DE MEDEIROS e VICENTE PAULO DA SILVA
Chegamos ao final do segundo milênio com muitos problemas não resolvidos: fome, desemprego, concentração de renda, epidemias, violência, desencontros, conflitos étnicos. Mas há de se reconhecer o avanço na afirmação de direitos das chamadas minorias -mulheres, negros, portadores de deficiência, índios, homossexuais-, fruto da intensa luta de grupos sociais e dos ventos democratizantes da consciência mundial. Todas as pessoas têm direito à cidadania plena.
A nossa Constituição de 88 foi chamada de "Constituição cidadã" por ter como eixo de referência a defesa da cidadania. Lutamos muito para que ela se configurasse dessa forma. No primeiro capítulo, explicita o direito à não-discriminação por sexo, raça, origem ou religião. Faltou "orientação sexual", que, embora proposto, não passou pela comissão de redação (com a desculpa de "enxugamento" do texto).
A cultura latina, marcadamente machista, estigmatizou as relações homossexuais masculinas e invisibilizou as femininas. Estigma e invisibilidade têm impedido que as pessoas homossexuais vivam sua orientação sexual sem prejuízo de sua cidadania. Só o preconceito pode justificar o controle e a censura dos comportamentos afetivos e sexuais, o que de mais íntimo e pessoal existe em cada um de nós. Este é um desafio para nós, trabalhadores. Os tempos mudaram. Cresce a noção de que a cidadania deve ser para todos.
O projeto da deputada Marta Suplicy que disciplina a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, aprovado na forma de substitutivo do deputado Roberto Jefferson, por 11 votos a 5, na Comissão Especial da Câmara, vai a votação nos próximos dias. Ele tem como finalidade regularizar uma situação de fato e tem o apoio do ministro José Celso de Mello Filho, futuro presidente do Supremo Tribunal Federal: "Sou a favor da legitimação da união de pessoas do mesmo sexo. Essa é uma realidade inevitável" (revista "Veja", 5/3/97).
Por carregarmos tantos tabus em relação à sexualidade, esse projeto gera tanta polêmica.
Falar de véu de grinalda e casamento de gays tem sido uma deturpação do projeto na mídia, gerando mais uma fonte de críticas infundadas, pois coloca a proposta como um desrespeito ao simbolismo e rituais religiosos. O projeto que vai à votação na Câmara não possibilita a mudança de estado civil nem a adoção conjunta de crianças. Não é, portanto, um projeto de casamento, mas que estende alguns direitos a pessoas que firmarem tal sociedade.
Garante direitos de cidadania, tais como herança, benefícios previdenciários, seguro-saúde em conjunto, declaração conjunta de Imposto de Renda, direito à nacionalidade no caso de estrangeiros que tenham parceiro ou parceira brasileira e consideração da renda conjunta para aquisição de imóvel. O contrato poderá ser registrado em cartório por pessoas do mesmo sexo solteiras, viúvas ou divorciadas. Trata de patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Desfaz-se por desistência das partes, morte de um dos contratantes ou por sentença judicial.
Essa discussão está ocorrendo em muitas partes do mundo. A revista inglesa "The Economist" publicou como matéria de capa a questão da regulamentação dessas situações. Dinamarca, Noruega, Suécia, Hungria e Islândia já regulamentaram a união entre pessoas do mesmo sexo, enquanto países como França, EUA e Canadá já aprovaram esses direitos em muitos dos seus municípios, e outros discutem como fazer o melhor tipo de legislação.
E por que nós, dirigentes sindicais, apoiamos esse projeto?
O reconhecimento, de direito, de uma situação vivenciada por pessoas de todas as raças, etnias, origem social, sejam trabalhadores, empresários ou profissionais liberais, contribui para uma mudança do patamar dos direitos humanos em nosso país, como aponta Ricardo Balestreri, presidente da Anistia Internacional no Brasil.
No Brasil, os trabalhadores organizados têm se batido pelo fim dos preconceitos e das discriminações. Já é hora de reconhecer que todas as pessoas, independente de sua orientação sexual, têm direitos iguais quando se unem por laços afetivos. A aprovação desse projeto, para nós, é mais um avanço no desmonte de uma sociedade de excluídos.
Cidadania, sim, para todos e para todas! As três maiores centrais sindicais do país se unem neste momento para dizer sim ao projeto da parceria civil!

Enir Severino da Silva, 49, é presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT).
Luiz Antônio de Medeiros, 48, é presidente da Força Sindical.
Vicente Paulo da Silva, 40, é presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

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