São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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De Vale do Rio Doce a Sweet River

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Não é fácil avaliar os resultados do leilão da Vale do Rio Doce, realizado anteontem. Todo o processo de venda dessa companhia foi marcado por falta de transparência e por explicações pouco convincentes à opinião pública.
Durante meses, os leitores da Folha e de outros jornais foram bombardeados com ataques à Vale. Destacaram-se os artigos do deputado Roberto Campos, que fez alegações pesadas, acusando a empresa de não proporcionar retorno adequado aos acionistas, em especial ao governo, e de fazer pagamentos excessivos aos seus funcionários.
Nesses artigos, Campos apresentou uma série de argumentos e estatísticas que contribuíram para propagar a imagem de uma Vale apropriada por interesses corporativos, que rendia muito pouco para a União.
Pois bem. Só ontem, em matéria paga publicada nos principais jornais do país, a diretoria da Vale resolveu responder ao parlamentar. Respondeu com agressividade comparável à que vinha sendo utilizada por ele. Apresentou um conjunto de dados que lança dúvidas sobre a seriedade com que Campos abordou o tema.
No que diz respeito ao retorno da União, a nota da diretoria da Vale lembra que o acionista se beneficia não só da distribuição de dividendos, mas também da valorização de suas ações.
Ignorar esse aspecto elementar, como vinha fazendo Campos em suas diatribes contra a empresa, é distorcer os fatos, sustenta a nota.
O parlamentar, que não costuma medir suas palavras, falou em "doação" de recursos ao fundo de pensão da Vale. Não levou em conta que a previdência complementar é política de recursos humanos em todas as companhias de ponta, no mundo inteiro.
Também não mencionou que a contribuição da Vale é de R$ 2 para cada R$ 1 pago pelos empregados, valor inferior à média das contribuições de empresas privadas, que é de R$ 2,70 por R$ 1, de acordo com a Associação Brasileira de Entidades de Previdência Privada -Abrapp.
Além disso, a diretoria da Vale acusou o deputado de usar dados errôneos sobre as contribuições da empresa ao fundo de pensão, sobre a participação dos empregados nos resultados da empresa e sobre o aporte de recursos da União à Vale. E forneceu, ponto por ponto, os dados que ela considera corretos, sempre substancialmente diferentes daqueles que o parlamentar vinha publicando em seus artigos.
Vamos ver como Roberto Campos responde a todos esses argumentos e acusações. Por muito menos que isso, um economista não tão protegido pelo "establishment" nacional e internacional teria a sua credibilidade profissional totalmente destruída.
Mas há um outro aspecto que não pode passar sem comentário. As acusações que a nota de ontem procura desmontar vinham sendo feitas por Campos ao longo de vários meses, com ampla repercussão nos meios nacionais de comunicação. Como é possível que só agora a diretoria da Vale venha a público contestá-las?
Quer dizer, então, que só no dia seguinte ao do leilão é que a opinião pública e os próprios acionistas da Vale têm direito de tomar conhecimento de que um dos líderes da campanha em favor da privatização vinha utilizando "dados errôneos" e prejudicando de forma irresponsável o conceito da empresa?
É um espanto. Vejam o que diz a nota da diretoria: "Cerca de 30% das ações ordinárias ainda serão vendidas, na pulverização. O conceito da Vale não pode ser irresponsavelmente tratado pelo autor da crítica, sob pena até mesmo de prejudicar a oferta dessas ações à sociedade".
Se é assim, não se compreende a demora da diretoria em responder às críticas de Campos. A menos que se queira argumentar que os participantes do leilão de anteontem estavam suficientemente informados para não se deixar iludir pelas falácias que a diretoria da Vale atribui ao parlamentar.
Em todo caso, Roberto Campos está desempenhando o seu papel de sempre. O consórcio que arrematou a Vale, apesar de se chamar Brasil -ironicamente, quem sabe?-, está apoiado, fundamentalmente, em investimentos e empréstimos estrangeiros, com a participação de instituições como o Citibank, o Soros Fund e, sobretudo, o NationsBank, quarto maior banco dos EUA.
Esse último constituiu a "Sweet River Investments Ltd.", em parceria com outras instituições, e adquiriu 11,9% do capital da nova controladora da Vale do Rio Doce, trazendo o equivalente a cerca de R$ 400 milhões na forma de investimentos diretos.
Esse mesmo NationsBank foi o banco que, segundo notícias publicadas ontem na Folha e na "Gazeta Mercantil", proporcionou o fôlego financeiro para que Benjamim Steinbruch pudesse entrar com a sua parte do capital.
Em condições ainda não esclarecidas, a CSN de Steinbruch obteve junto ao NationsBank um empréstimo equivalente a R$ 1,2 bilhão.
Vejam que o montante aportado por esse banco, diretamente e por meio de empréstimos à CSN, representa quase metade dos R$ 3,3 bilhões que o consórcio liderado por Steinbruch pagou pelo controle da Vale.
Testa-de-ferro, por acaso?

E-mail: pnbjr@ibm.net

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