São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Para não jogar dinheiro pela janela

LUÍS NASSIF

Feito político ou traição ao país, pouco importam as interpretações sobre a privatização da Vale do Rio Doce.
A questão relevante é que vem uma nova leva de privatizações -especialmente na área de telecomunicações- que, se não forem conduzidas com um mínimo de bom senso, de lado a lado, poderão transformar o patrimônio público do Sistema Telebrás em pó.
Nas próximas semanas, haverá a definição dos vencedores da banda B da telefonia celular. Entre fornecedores de equipamentos, há a suspeita de que em cerca de 40 dias os novos operadores já estejam com as primeiras Estações Rádio Base (ERB) instaladas, atacando os grandes consumidores de celulares. Em cerca de 6 a 8 meses, já estarão em vôo de cruzeiro.
Completada a montagem das redes da banda B, será impossível para as teles competirem em igualdade de condições, com as amarras legais a que estão submetidas como empresas públicas.
A primeira amarra é a lei 8.666, exigindo processos demorados de licitação, sujeitos a embargos e impedindo uma escolha racional de tecnologia.
Errou-se muito nas primeiras licitações de celulares. Se se errar de novo agora, as teles serão executadas liminarmente pela concorrência.
A segunda amarra é esse dispositivo constitucional maluco, de incluir o orçamento das estatais dentro do Orçamento público nacional. Pouco importa se o setor é dinâmico, permite acumulação de resultados e exige investimentos pesados. As teles somente poderão investir dentro de limites previamente aprovados pelo Congresso.
A terceira é o regime único do funcionalismo -que o Congresso teima em preservar-, que mata qualquer possibilidade de as teles não só buscar quadros no mercado, como conservar seus próprios quadros.
Luta de slogans
Tem-se uma luta contra o relógio. E aí entram em cena os erros cometidos de lado a lado -governo, oposição e imprensa- na privatização da Vale do Rio Doce, que não podem ser repetidos na nova rodada.
Da parte do governo, não se cuidou de um processo amplo de discussão e explicação sobre a lógica da privatização. É tema difícil, complexo, onde os slogans têm mais alcance que as análises. Mesmo assim, nenhum dos slogans manejados pelo governo chegou a ter eficácia política.
Chega a soar ridículo, depois de ter dobrado a dívida pública em um ano, o governo apresentar como o maior objetivo da venda da Vale abater 2% ou 3% da dívida.
Da parte da oposição, chegou a hora de parar com essa tática estéril de dar murros em ponta de faca e tentar impedir o programa de privatização. O programa é irreversível. O desafio é torná-lo legítimo.
Em todo episódio Vale, poucas vezes se tratou de levantar questões pertinentes, visando valorizar o patrimônio público a ser vendido. O que se queria é esse tudo-ou-nada sem um mínimo de pragmatismo, de impedir o leilão a qualquer preço.
Enfrentar a polícia e despejar discursos heróicos e genéricos em defesa da nacionalidade é ótimo para engrandecer biografias. Mas pífio como contribuição ao país.
Novo jogo
Agora, o jogo é outro. Duas das vozes mais relevantes dos trabalhadores -Lula, presidente de honra do PT, e a Força Sindical- já manifestaram sua intenção de lutar pela inclusão do FGTS nos processos de privatização.
Com isso, primeiro, aceita-se que a privatização é inevitável; segundo, batalha-se para que seus frutos sejam distribuídos entre os trabalhadores, não entre meia dúzia de grupos nacionais ou estrangeiros.
Para que o processo flua rapidamente, e com o menor número de erros, a imprensa tem a desempenhar papel fundamental. No caso Vale, demorou para expor os argumentos de lado a lado.
Agora, tem-se a nova Lei Geral de Telecomunicações no Congresso. Tem-se novas instituições a serem criadas -os órgãos reguladores-, que desempenharão papel decisivo no novo desenho de país.
Essa discussão tem de ser colocada já na rua, para evitar duas tragédias nacionais. Qualquer demora em iniciar a privatização das teles, significará jogar pela janela o patrimônio acumulado. Qualquer erro na regulamentação do setor, significará comprometer o desenvolvimento do país pelas próximas décadas.
Vamos esquecer, por alguns meses, esses embates bizantinos, estéreis, inúteis, somar forças, ouvir e acatar argumentos de lado a lado, visando uma privatização que seja rápida e atenda aos interesses nacionais.
O país merece.

Email: lnassif@uol.com.br

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