São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Alagna parece disposto a ser o quarto tenor

MARCELO MUSA CAVALLARI
DA REDAÇÃO

Roberto Alagna parece mesmo disposto a ser o quarto tenor. Está continuando de onde Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti pararam: lançando caça-níqueis no mercado.
Não há nenhuma outra justificativa para alguém lançar um CD como "Sanctus".
Em seu novo disco, o tenor francês filho de sicilianos -além de posar para a foto da capa com uma camisa de veludo vermelho- percorre pérolas da música "religiosa" do século 19 francês, um dos mais intragáveis repertórios da história da música.
O CD começa com "Ave Maria" de Bach-Gounod. A única coisa da peça que tem valor, o prelúdio do compositor alemão Johan Sebastian Bach, sobre o qual Charles Gounod adaptou uma lacrimejante melodia, foi trocado por um arranjo orquestral que apela para todos os clichês do "sentimento" -de coro de meninos a violino solo de restaurante húngaro.
Desfilam a seguir peças de compositores tão prolixos e vazios quanto Gounod, entre eles César Franck, Camille Saint-Saëns, Georges Bizet (sim, o de "Carmem").
Revolução Francesa
O texto de abertura é a melhor coisa que o CD apresenta.
Lendo-o, ao traçar considerações sobre o anticlericalismo francês pós-Revolução Francesa, as reações ao período da Restauração etc., pode-se ficar com a impressão de que realmente há algum significado nesse conjunto de canções mais ou menos ligadas à religião.
Basta ouvir o CD para a impressão ruir. Uma das poucas coisas que pode se salvar é "O Salutaris Hostia", de Gabriel Fauré, que se orgulhava de seu ateísmo.
Certo, Alagna tem uma bela voz e canta bem, mas o repertório é tão ruim, há tão pouca inteligência nas peças que não há interpretação a comentar.
São quase todas obras chorosas de gente que só concebe música ou religião como manifestações puramente emocionais. No sentido mais chão do termo.
Alagna se rende ao gosto fácil de fazer senhoras chorarem ao som de peças que até Agnaldo Rayol já interpretou.
As duas últimas peças do CD, de André Caplet e Lili Boulanger, já fazem parte do repertório contemporâneo. Mas também são obras menores.
Caplet é um epígono de Debussy, e nem mesmo franceses precisariam de Boulanger, já que têm Olivier Messiaen, mestre contemporâneo e da música religiosa de verdade.
Pavarotti tem a desculpa de estar ficando velho e ser casado com uma mulher jovem. Preferiu ser um astro pop em ascensão a ser um cantor em declínio. Alagna pode estar desistindo muito cedo.

Disco: Sanctus
Com: Roberto Alagna e Coral e Orquestra da Cidade de Toulouse
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 25

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