São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Se eu atender, mate-me _bem morto

DAVID DREW ZINGG
EM SAMPA

"Se é engano, por que você atendeu?" Charge de James Thurber na "The New Yorker".
No fundo, no meu íntimo, odeio o telefone.
E, muito mais ainda do que o telefone, detesto o aparelho de respostas telefônicas, também conhecido como secretária eletrônica.
É deprimente -alguma vez você tentou convencer uma secretária eletrônica a sentar-se no seu colo? (Se você já o fez, Joãozinho, é porque faltam alguns sanduíches para completar seu piquenique, mas isso é problema seu, certo?).
Na semana passada, ouvi falar de uma nova megasecretária eletrônica superinteligente, digitalmente poderosa, que estará conosco dentro em breve para acabar, de uma vez por todas, com os últimos resquícios de privacidade que ainda conservávamos.
Essa nova e infame supersecretária eletrônica foi inventada -claro- no Vale do Silício, na Califórnia.
O nome dela é Wildfire, ou Incêndio Florestal, porque seu inventor, um cara que não bate bem da bola, acha que ela vai se tornar tão popular que seu uso vai espalhar-se pelo mundo como um rastilho de pólvora ou como -isso mesmo, você adivinhou- um incêndio florestal.
Mas não se tio Dave puder impedi-lo.
A Wildfire é conectada à sua linha telefônica pela companhia telefônica local. Você conversa com ela como se fosse uma assistente pessoal feita de carne e osso.
A Wildfire tem a voz de uma secretária ligeiramente acometida de tesão.
Você não vai conseguir fugir da Wildfire. Ela é um software esperto que sabe onde encontrar você, não importa onde você esteja.
Se você não for mais esperto ainda, vai lhe dar os números de todos os lugares onde pode ser encontrado, e ela vai ligar, ligar, ligar até finalmente arrancar você de seu esconderijo.
É claro que nossos chefes, nossas mulheres e nossas namoradas vão enxergar a Wildfire como uma invenção aproximadamente tão importante quanto a roda ou a pipoca amanteigada quentinha.
Brinquedo do demônio
A Wildfire é basicamente uma secretária eletrônica com nariz digital -uma espécie de beagle, daqueles treinados para farejar drogas, só que ela foi treinada para farejar você ou eu.
Em meio a todo o arsenal desgraçado de torturas culturais pós-modernas, a secretária eletrônica figura ao lado da onipresença da TV Globo e da disponibilidade mundial da camisinha luminosa -todos são lamentáveis lembretes do fato de que a humanidade, tal qual nós a conhecemos, está se aproximando do fim.
Tio Dave consegue recordar a época em que o telefone tocava e você ou atendia ou decidia não atender -por suas próprias e muito boas razões, quaisquer que fossem.
Minhas próprias e muito boas razões incluem evitar um gerente de banco que parecia determinado a recuperar um dinheiro que me emprestara num momento impensado e me esconder de uma senhorita que nutria a equivocada impressão de que eu a havia pedido em casamento.
Eu já lhe explicara, em vão, que tratava-se de engano dela, tendo em vista que eu já estava casado na época do incidente.
Como a maioria de nós, eu caí nas garras da infernal secretária eletrônica na década facilmente esquecível de 80.
Como tolo que era, meu motivo para comprar a desgraçada secretária eletrônica foi pensar que, se eu possuísse uma máquina de respostas telefônicas, mais pessoas telefonariam para mim.
Pensei, como bobo que sou, que a posse da máquina me traria mais amigos. Pensei que seria melhor do que correr atrás de mocinhas à toa em disco-bars de reputação indiferente.
Acho que, lá no íntimo, imaginei que minha secretária eletrônica viria com as mensagens já incluídas.
Minha idéia era que a secretária me lançaria numa nova e instigante vida de sucesso social e financeiro com que eu, até então, nem sequer sonhara. No final do dia, eu voltaria para casa, depois de muitas horas de árdua labuta, e encontraria dúzias de mensagens convidativas apenas esperando para serem respondidas.
Haveria ofertas de dinheiro fácil, sexo fácil e fama fácil.
Eu seria forçado a escolher entre inúmeras propostas de excessos sexuais escorregadios. Supermodelos e donas-de-casa reprimidas brigariam com estrelas de cinema em final de carreira, todas disputando minha atenção entediada.
Mas a triste verdade foi que, quando eu chegava em casa, a maldita máquina punha a língua digital para fora para mim. O display numérico geralmente indicava zero.
Se tivesse voz, como a superligada Wildfire, ela provavelmente diria: "Seu perdedor miserável!".
Com o tempo, porém, mesmo um perdedor como tio Dave acaba encontrando pessoas, sim -em sua maioria as pessoas erradas, é claro.
Quando não são malucos de hospício ou pessoas que parecem e agem como resultados de um parto de fórceps mal feito, elas querem alguma coisa de você -de graça.
E então a maldita secretária eletrônica vira uma espécie de pau-de-arara eletrônico. Para cada mensagem agradável que você recebe -são poucas-, é obrigado a ouvir dúzias de recados malcriados de mamíferos que você faz tudo para evitar.
Normalmente, ou são pessoas que você está tentando evitar por razões emocionais, ou são aquelas para quem você deve grandes somas de dinheiro. No caso de tio Dave, muitas vezes eram as duas coisas juntas.
A secretária eletrônica é uma criatura vinda do círculo íntimo do purgatório. Muitas vezes, quando o simpático gerente do meu banco telefona, fico ao lado da secretária, ouvindo sua voz persuasiva, mas sem responder.
Solução Final
Finalmente apareceu uma saída para nos ajudar a escapar de todos esses males telefônicos eletrônicos.
Você quer se desplugar desse mundo complicado? Está dizendo que não suporta mais nem ouvir a voz do cobrador da companhia de cartão de crédito ou de sua ex?
Assine o serviço Caller ID (disponível em minha área telefônica, mas, por enquanto, ainda não em todo lugar) e conecte-se a um SNI (nenhum parentesco com os velhos fantasmas de Brasília) Innovation Bouncer ID-200. O aparelho vai lhe custar cerca de R$ 125.
O Bouncer (pode ser traduzido como leão-de-chácara) deixa você escolher com quem você quer falar -e quando. Tem cinco níveis programáveis de prioridade, três modos operacionais e uma memória capaz de conter 200 números de telefone.
Basta colocar o telefone de sua ex-namorada na pilha de "rejeitar", e o Bouncer vai colocá-la para fora -ou seja, desligar na cara dela.
Mas, se você quiser falar com sua namorada atual, coloque-a na pilha "enviar", e a ligação dela vai parar na secretária eletrônica. Ou, melhor ainda, coloque-a nas "prioridades", e o telefone vai tocar sem parar, mesmo que você tenha dito ao Bouncer que não quer ser perturbado.
As últimas 70 ligações que você recebeu ficam registradas na memória de seu leão-de-chácara particular, de modo que você pode saber quem telefonou, mesmo que os asquerosos não tenham deixado nenhum recado.
Ligue para Bouncer: 001 800 3881.

Tradução de Clara Allain

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