São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Liberdade de imprensa e cidadania

VILMAR ROCHA

A Constituição vigente é extremamente cuidadosa ao disciplinar as relações da sociedade com os veículos de comunicação. Desejou o constituinte garantir a liberdade de imprensa, escoimando a censura sob qualquer pretexto, ao mesmo tempo em que cercou a cidadania de vários remédios jurídicos destinados à preservação dos direitos relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do cidadão.
Como consequência, a liberdade de imprensa, pelo menos no aspecto formal, consolidou-se, enquanto as cautelas que a Carta de 88 reservou para a cidadania não se materializaram, ainda que auto-aplicáveis. Nessa parte, a intenção do legislador constituinte esbarrou em uma Lei de Imprensa anacrônica, inspirada na ideologia da segurança do Estado e hipossuficiente para dirimir os conflitos resultantes da liberdade de expressão jornalística.
O Brasil precisava fazer uma nova Lei de Imprensa, que consolidasse o paradigma institucional, centrado no equilíbrio entre o ato livre de informar e as garantias integrantes dos valores subjetivos da honra. O modelo legislativo também devia prever critérios eficientes de reparação civil dos danos materiais e morais causados pelo exercício da atividade de imprensa, além de adequar à moderna técnica penalista as sanções aos delitos de opinião.
No momento em que a informação é um dos maiores bens de apreciação econômica e de significação social, é muito importante deixar presente que não existe supremacia da liberdade de imprensa sobre a honra dos cidadãos. É preciso que haja previsibilidade dos limites de veiculação da notícia. E não se pode esperar que os abusos sejam contidos apenas pela autoconsciência dos valores éticos que norteiam a atividade jornalística. Isso, no entanto, não equivale a dizer que precisamos de uma lei eivada de instrumentos intimidatórios.
Aliás, o substitutivo proposto trilhou caminhos mais saudáveis ao ampliar o conceito de liberdade de imprensa. Foi eliminada a possibilidade de obstaculização, por sentença judicial, de publicação ou transmissão de determinada matéria, como forma de censura prévia, de acordo com o disposto na atual Lei de Imprensa. Outro indicativo é a extensão do alcance da exceção da verdade, permitindo a prova de fato veiculada contra qualquer autoridade, algo vedado na legislação vigente.
Ainda nessa direção, imprime significativo avanço quando elimina a pena privativa de liberdade para os delitos de imprensa. Não era admissível a manutenção de modalidade penal, que se mostrou ineficiente na prática processual e falida como medida punitiva para ilícitos dessa espécie. Além disso, a moderna doutrina criminal reserva o encarceramento aos delitos de alto potencial ofensivo. Não tenho dúvida de que, para casos de imprensa, a melhor prescrição legal é a pena de prestação de serviços à comunidade, cumulada com pena de multa. Essa nova sistemática, adotada no substitutivo, vai assegurar a eficácia penal e social da punição.
A responsabilidade civil advinda de dano material ou moral, causada pela atividade de imprensa, também é prevista a partir de parâmetros jurídicos objetivos, que visam recompor com justiça o patrimônio e a honra ofendidos do cidadão, proporcionalmente à intensidade do dano. Sem, contudo, inviabilizar, pela indenização, a solvabilidade da empresa de comunicação. Rejeita-se, assim, a proposta inicial de fixação de teto percentual baseado no faturamento da empresa jornalística.
O direito de resposta pode ser considerado o coração do substitutivo. Ele alia celeridade processual à praticidade de execução dessa prerrogativa do ofendido. O cidadão que não obtiver resultado ao seu requerimento do direito de resposta poderá fazê-lo judicialmente, seguindo um rito processual simplificado e com prazo de conclusão máximo de seis dias úteis. O substitutivo também contempla o ofendido com garantias do direito de resposta, na medida editorial exata do agravo.
Não há porque negar que foram muitas as tentações, ainda que minoritárias, para que fosse elaborado texto punitivo, eivado de disposições revanchistas a comportamentos específicos da imprensa brasileira. Entretanto, buscamos caminho que passasse ao largo dos impulsos emocionais e elaboramos substitutivo apoiado no ideal democrático e afinado com as modernas técnicas legislativa e penal.
Visando amadurecer e equilibrar essas metas, promovi debates com federações e associações profissionais de jornalistas e de imprensa, para que fosse consolidado um texto final que estivesse à altura dos elevados valores da cidadania e da imprensa brasileiras.

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