São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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Governo quer 'desmoralizar' a oposição

GUSTAVO PATÚ
COORDENADOR DE ECONOMIA DA SUCURSAL DA BRASÍLIA

O governo reconhece o desgaste sofrido na guerra jurídica em torno da venda da Companhia Vale do Rio Doce, mas quer terminar o embate de forma a "desmoralizar" seus opositores.
Isso significa conseguir, nos julgamentos de mérito das ações contra o leilão da Vale, vitórias amplas a fim de obter pontos favoráveis junto à opinião pública.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), aponta que as ações populares contra o leilão usavam termos como "ardil" e "conluio" ao descrever iniciativas do governo, que já teria a resposta pronta.
"O melhor processo é desmoralizá-los", afirmou ontem, em entrevista concedida ao lado do ministro do Planejamento, Antonio Kandir. O ministro usou termos mais amenos. Disse que o governo quer vencer "tanto quantitativamente como qualitativamente", inclusive no campo político.
Tanto Kandir como Mendonça de Barros apontaram que os opositores da venda foram eficientes ao caracterizar o negócio como a "entrega do ouro", enquanto o governo, que teria privilegiado a discussão técnica, encontrou dificuldades para rebater os ataques.
"Vamos reconhecer: a oposição foi mais competente porque simplificou", avaliou Kandir. "Eu tenho muita dificuldade em lidar com a ignorância", afirmou o presidente do BNDES.
Segundo Mendonça de Barros, pretende-se mostrar, daqui para a frente, que teria havido um movimento "irracional" contra o leilão. Para isso, além de vitórias judiciais, o governo quer ganhar a chamada "batalha da comunicação" -mostrando, por exemplo, como será usado o dinheiro obtido com a venda da Vale.
FASCISTA - Citando nominalmente o PT, Mendonça de Barros chegou a comparar a tática dos opositores à de nazi-fascistas do passado: repetir determinada afirmação a tal ponto que todos passariam a acreditar nela.
"O PT está adotando uma técnica fascista", disse, mencionando Josef Goebbels, o ministro da Propaganda na Alemanha nazista.
Mendonça de Barros exemplificou o que seria essa estratégia: "Vamos banalizar: 'o ouro está sendo entregue ao bandido"'.
Tal argumento teria encontrado eco na visão de que o país foi, historicamente, motivo da cobiça estrangeira por recursos minerais.
INTERNET - Kandir e Mendonça de Barros disseram acreditar que a "chicana" (tramóia) judicial promovida pelos adversários da venda da Vale utilizou até a Internet.
Por esse raciocínio, haveria uma matriz que pôs à disposição dos usuários da rede todos os argumentos jurídicos possíveis contra o leilão. Bastaria acionar determinado endereço eletrônico e copiar o texto desejado. Prova disso seria um grande número de ações populares com trechos idênticos nas mais diversas localidades do país.
Mendonça de Barros disse que precisou tomar um calmante para ler até o final a "ação do Bandeirinha", referindo-se ao advogado Celso Antônio Bandeira de Mello, que conseguiu a liminar que deu mais trabalho ao governo.
BRANCALEONE - Brincando, Mendonça de Barros comparou o governo a um "exército de Brancaleone", em referência ao filme "O Incrível Exército Brancaleone", do italiano Mario Monicelli, em que um grupo de pobres-diabos vaga pela Idade Média.
Entre as desventuras narradas por Mendonça de Barros, houve um colapso nos telefones do BNDES que obrigou, no dia, funcionários a usarem celulares para acompanhar a tramitação de ações em outros Estados.
O presidente do BNDES definiu o último dia 29, quando deveria ter sido realizado o leilão da Vale: "Foi o pior dia da minha vida".
Kandir e Mendonça de Barros rejeitaram, porém, a versão de que o governo não teria se preparado suficientemente para enfrentar uma previsível enxurrada de ações e liminares contra o leilão.
Segundo eles, a primeira petição junto ao ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Demócrito Reinaldo era preventiva.
Antes do leilão, o governo queria que todas as ações que viessem a contestar a operação fossem encaminhadas a um único juiz.
Reinaldo, porém, rejeitou a primeira petição. "Então enfiamos a viola no saco", disse Mendonça de Barros. O ministro do STJ só viria a conceder a segunda liminar pedida pelo governo, quando já havia 120 ações em curso.
VIRADA - O "momento da virada", segundo Mendonça de Barros, começou na sexta-feira da semana passada, quando o governo reunia informações para embasar o segundo pedido de liminar.
O governo teria passado a contar então com a assessoria informal e gratuita de dois "juristas" -"Não digo o nome deles de jeito nenhum", disse o presidente do BNDES. Segundo a Folha apurou, um dos advogados é Celso Bastos, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
Pelo relato de Mendonça de Barros, os advogados, mais tarimbados em "chicanas", passaram a antecipar para o governo passos dos opositores e a orientar a defesa adequada em cada situação.
No dia 1º de maio, quinta-feira da semana passada, houve a primeira manifestação explícita -na contabilidade do governo- de crítica ao "chicanismo".
Em carta publicada na Folha, o advogado Adílson Dallari dizia que "chicana" é o nome para o uso de recursos processuais para adiar decisões inevitáveis. "O chicanista é a antítese do jurista."
DESGASTE - Exibindo cópia do cheque de R$ 3.199.974.496,00 -"o maior já emitido no país"- recebido pelo BNDES, Kandir disse que, do ponto de vista das contas públicas, o atraso do leilão não seria grande problema.
O motivo da pressa do governo, segundo o ministro, foi a importância de "mostrar para todos, aqui e no exterior, o grau de comprometimento do governo com a reforma do Estado".
"O governo não tem medo de algum desgaste a curto prazo", segundo Kandir, se esse for o preço a se pagar para demonstrar o empenho em mudar o Estado.
Pela argumentação do ministro, o país apresenta hoje um déficit nas contas externas decorrente do crescimento econômico -mais crescimento, mais importações e empréstimos tomados no exterior.
Para demonstrar que esse déficit (que pode chegar a US$ 34 bilhões neste ano, segundo estimativas da área econômica não mencionadas por Kandir) não é um risco à relativa estabilidade da economia, é preciso sinalizar que, a médio e longo prazo, as contas públicas melhorarão também.

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