São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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País voltará à pré-história

JOSIMAR MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se depender dos trâmites em curso nos corredores do Ministério da Agricultura, já na próxima semana o Brasil dará um grande passo em direção à pré-história do consumo vinícola.
A intragável portaria nº 30/97, que há meses vem sendo urdida (tinha o nº 255, depois nº 555) e que deve entrar em vigor no dia 16, é um amontoado de armadilhas mesquinhas destinada a dificultar a entrada de bons vinhos no Brasil.
Se ela vingar, os amantes do bom vinho podem vestir luto. Até o presidente da República pode dar adeus a valiosas garrafas como as que bebeu no aniversário de dona Ruth em São Paulo, ou nos jantares imperiais de janeiro em Petrópolis. O Brasil pode tornar-se a cloaca vinícola onde se despejará apenas o que de pior se produz no mundo.
Além de uma estupidez, por criar regras desnecessárias (já existe um controle de qualidade eficaz) e inexequíveis (como exigir detalhes da produção de cada vinho -são centenas de milhares!), a portaria tem a característica kafkiana de já não servir a ninguém.
Na sua origem, ela teria sido imposta por produtores brasileiros de vinho, preocupados com a concorrência estrangeira. Daí criar o máximo possível de dificuldades para a importação.
Se a intenção era essa, já se mostrou ineficaz: quem concorre com o vinho brasileiro é o vinho estrangeiro de baixa qualidade, que chega a ser mais barato que o nacional.
Pois esse vinho ruim, que chega aos milhões de garrafas todo ano, continuará vindo: seus produtores, indústrias gigantescas e poderosas, e seus importadores já estão seguindo as novas exigências, por mais intrincadas que elas sejam -pois eles não podem perder um mercado tão imenso.
Quem então deixará de vender vinhos ao Brasil? Serão os milhares de produtores menores, artesanais, de alta qualidade. Seus vinhos são disputados pelo mundo todo, e ante exigências humilhantes e descabidas, eles podem simplesmente transferir para o Japão ou Estados Unidos as poucas e preciosas caixas que enviavam ao Brasil.
Se deixarmos de ter esses vinhos, ninguém sai ganhando- e todos perdem. Por serem muito mais caros do que os brasileiros, eles em nada competiriam com o produto nacional.
Por outro lado, sua existência no mercado como um alto padrão é um fator de estímulo à produção nacional (como aconteceu com nossos automóveis).

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