São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
"E a Justiça não socorre o dorminhoco..."
ANTONIO CICERO
Não constitui atenuante o fato de que ele mesmo confessa ter assinado o referido texto, pois isso não o impede de tentar desclassificar os livros dos dois outros finalistas da mesma categoria (o de Álvaro Mendes e o meu), nem de recomendar, sucinta, porém irrestritamente ("merece ser lido e relido"), o livro que apadrinha, nem ainda de lamentar não poder "defendê-lo" ainda mais. Eticamente, ele não podia ter feito nenhuma dessas coisas. É lamentável que o sr. Massi não tenha adotado a única atitude que seria digna nessas circunstâncias, a de recusar-se a comentar qualquer um dos três estreantes. Contra o meu livro, o sr. Massi faz uma acusação típica de quem honestamente não teria o que criticar. Vale a pena citar essa jóia. "Paradoxalmente, os bons momentos do livro abrem caminho para a percepção do quanto a sua poética é oscilante e desigual", diz ele. Primeiro, o epíteto "desigual" é vazio, pois poderia ser aplicado a qualquer obra, até mesmo, por exemplo, a uma coletânea de sonetos de Shakespeare. Mas suponhamos que meu livro mereça, mais do que a maior parte dos livros, ser chamado de "desigual". Um livro excepcionalmente desigual é um livro que tem uns poemas muito bons e outros muito ruins. Basta um segundo de reflexão para compreender que um livro de poemas assim seria melhor do que qualquer livro medianamente bom. Em poesia, o adjetivo "medíocre" é tão pejorativo quanto "ruim" porque, para ela, só valem os vôos altíssimos. Uma águia pode alguma vez voar mais baixo do que uma galinha, mas é claro que os vôos mais altos das galinhas jamais, nem de longe, alcançam a altura dos vôos altos das águias. Basta um só desses vôos para que um livro de poesia valha mais do que qualquer livro que se mantenha consistentemente à altura do mais alto vôo de que sejam capazes as galinhas. Coisas semelhantes poderiam ser ditas quanto a ser "oscilante" a minha poética. Também essa qualificação é vazia e enganosa, pois pode ser que, assumindo riscos, ultrapasse a Taprobana das poéticas já pacíficas. Contudo, embora, a rigor, as "críticas" do sr. Massi não digam nada, elas não deixam de cumprir a única e pérfida função para a qual foram escritas: a de macular o meu livro na cabeça do leitor irrefletido. Águas turvas Além disso, tentando pescar em águas turvas, o sr. Massi questiona também o fato de Álvaro Mendes (porque, tendo 57 anos, não seria, segundo ele, suficientemente jovem) e eu (por ser letrista conhecido) concorrermos na categoria dos "estreantes". Nada mais sórdido pois, como se trata de nossos primeiros livros, as regras não nos permitiriam concorrer na categoria alternativa, a dos "autores consagrados". Se o tivéssemos feito, seríamos, sem dúvida, acusados por ele mesmo de impostores. O fato é que qualquer pessoa de boa-fé reconhecerá não ser esse o momento para questionar as regras do concurso, mas sim de observá-las estritamente. Naturalmente, nem o próprio Massi tem a veleidade de ser capaz de mudar as regras a essa altura: basta-lhe desmoralizar os concorrentes de seu "protégé". Ao "assumir publicamente a defesa" (as palavras são dele) do livro com o qual já se comprometera, o sr. Massi não tem escrúpulos em fazer aquilo que retoricamente condena, isto é, nas suas próprias palavras, submeter "os autores às piores práticas de uma campanha política, expondo-os aos tradicionais lobbies e toda a sorte de corporativismo". Percebemos melhor quão pertinentes são essas palavras quando nos lembramos que o sr. Massi é professor da USP e Heitor Ferraz, editor-assistente da Edusp. Mas a verdade, felizmente, é que semelhante atitude não é comum entre os finalistas ou amigos dos finalistas do Prêmio Nestlé. A maior parte de nós não fez campanha alguma. Eu, por exemplo, não pedi sequer a amigos íntimos ou parentes que fossem às livrarias votar em mim. Tampouco esta carta poderia fazer parte de campanha alguma, pois, quando for publicada, já terá passado o momento decisivo para a premiação, que, terá sido, naturalmente, a semana subsequente à publicação do artigo do sr. Massi. Texto Anterior: Annelise triunfa com suas donzelas românticas Próximo Texto: Zé Ramalho revisa ponta agreste da MPB Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |