São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Entre a lei e a política

JANIO DE FREITAS

Embora o governo e seus apoiadores ideológicos considerem o embate em torno da Vale um confronto estéril e anacrônico, dele resultaram numerosos saldos positivos, cuja avaliação geral exigirá ainda o transcurso de algum tempo. Um desses saldos é o ressurgimento da idéia de que a reforma do Judiciário é imprescindível e nada justifica que, sendo de interesse de todo o país, continue protelada pelo governo, tão voltado para a emenda pró-reeleição.
Se a necessidade da reforma é consensual, ninguém se entende em torno do sentido e do alcance que deva ter. Algumas propostas são polêmicas, mesmo, como a fiscalização do Judiciário por um conselho externo a ele e com poderes até punitivos. Os juízes são explicavelmente contrários a tal fiscalização, mas o deputado Jairo Carneiro incluiu-a no projeto de reforma que os governistas mantêm enfurnada, por vontade da Presidência da República, em uma gaveta qualquer do Congresso.
Nem no projeto, nem nas discussões já havidas sobre a reforma, porém, um ponto fundamental mereceu acolhida. Trata-se da composição do Supremo Tribunal Federal, feita pelo método único das nomeações pelos presidentes da República. As quais nem ao menos dependem de alguns critérios preestabelecidos. Por exemplo, para citar o mínimo, o grande saber jurídico reconhecido pelos notáveis. Se por mais não fosse, ao menos para evitar que o Supremo se autodenuncie quando a exaltação de um ministro, como Moreira Alves nesta semana, recomende em sessão pública a outro ministro, Carlos Velloso: "Vossa Excelência deveria ler mais".
Caso se pretenda um Judiciário que sempre faça Justiça e jamais política ou equívocos, os ministros do STF e de todos os tribunais superiores precisam ser escolhidos por métodos objetivos de avaliação e, se for o caso, de consagração. Do contrário, a cidadania não tem por que superar as suas reservas em relação ao alto Judiciário.
Quase todas as causas que chegam ao Supremo tocam interesses do governo, sejam políticos ou administrativos. Como agirá um ministro nomeado por um presidente da República empenhado em determinada decisão: dispõe-se a votar contrariamente a quem lhe deu a nomeação ambicionada ou sacrifica, embora guardando-se de evidenciá-lo, a prevalência da lei sobre tudo o mais?
Abalado pelo parecer do relator, ministro Néri da Silveira, que acolhia liminar pedida ao Supremo contra a venda da Vale, por uso de uma medida provisória de Fernando Henrique quando só caberia uma lei, o governo desarvorou-se na quinta-feira com a possibilidade de invalidação da venda. O ex-ministro da Justiça e recém-nomeado ministro STF Nelson Jobim salvou a situação.
Jobim pediu vista do processo, assim interrompendo o julgamento e dando condições ao governo de trabalhar, seja lá por que meios forem, a sua defesa. Não faltou nem mesmo a notícia de que a atitude de Jobim estava coordenada com o governo. Sendo assim, era um magistrado do Supremo em ação ou era um político? Se era um político, Nelson Jobim não foi o inaugurador da prática.
Os contendores serão outros, sem pessoas que frequentam as calçadas e não têm motivo para poses de superioridade, mas também a reforma do Judiciário promete confrontos fortes. Nem por isso promete chegar ao necessário para fazer do Judiciário o poder independente a que a Constituição se refere.

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