São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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Ensino médico na contramão

MARCOS BOSI FERRAZ

Nestes últimos cinco anos, principalmente nos países desenvolvidos, a sociedade tem assistido a um intenso debate sobre a necessidade de reformulação do sistema-saúde. Um dos aspectos mais marcantes desse processo é o reconhecimento por parte daqueles que planejam e tomam decisões, dos profissionais da saúde e da sociedade, de que os recursos disponíveis à saúde são escassos e finitos. Em contrapartida, como resultado do constante avanço tecnológico, esses recursos tornam-se a cada dia proporcionalmente mais escassos. O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, tem sido envolvido nesse processo, com um agravante: não se apercebeu disso. Um claro exemplo desta dissociação da realidade é o ensino médico.
O ensino médico é praticamente o mesmo há muitos anos, procurando incorporar toda a sofisticação tecnológica, porém de certa forma dissociado de uma realidade e necessidade nacional. Nos últimos anos, diria, até cego e insensível quanto às profundas alterações e novos conceitos inerentes ao sistema-saúde que se molda.
Algumas observações são dignas de reflexão; além das preocupações próprias da formação de um bom médico, hoje há adicionais:
1. Como manter este profissional atualizado, já que a velocidade do surgimento de novos conhecimentos são absurdamente exageradas? Só há uma solução, o ensino do reconhecimento do que é evidência, ou seja, o ensino da medicina baseada em evidências.
2. Há hoje um completo divórcio entre a necessidade do sistema-saúde e a qualificação do profissional em formação. As prioridades da sociedade em termos de saúde, embora ensinadas, não merecem a atenção necessária. São tidas como problemas de saúde pública, em que se acredita ser limitada a ação individual. Estamos na era da superespecialidade, do médico sofisticado, valorizado pela sociedade. O clínico-geral ou médico de família não existe mais.
3. O médico é um agente do paciente e por isso tem de aprender a administrar os recursos deste (ou da sociedade). Noções de gerenciamento de recursos, bem como de economia da saúde, não fazem parte do currículo nem de um pós-graduando, teoricamente futuro professor ou pesquisador, quanto mais de um aluno.
4. Médicos, quanto mais melhor. Infelizmente, há anos temos observado o surgimento de novos cursos de medicina. Se formar um bom médico nas escolas mais tradicionais do país já está difícil, imaginem formar um médico numa escola recém-criada. Pode haver uma exceção, mas é uma exceção. Nesse caso há a ilusão de que mais médicos significa mais saúde. Sem dúvida, essa fase já passou. Há regiões em que ainda há falta de médicos, mas as ações para corrigir isso não acontecem. Há consumo excessivo de recursos do sistema-saúde por haver mais médicos que o sistema comporta.
Esse é o caminho. É muito difícil solucionar problemas estruturais, que não são nem reconhecidos, ou, se são, por poucos, eles continuam sem se manifestar -alienados conscientes ou desiludidos.

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