São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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Protecionismo, para quem pode

HELCIO EMERICH

A prática do "dumping" e da cartelização nos Estados Unidos costuma ser controlada e não raramente punida com rigor pelas agências e organismos do governo responsáveis pela manutenção do princípio da livre concorrência no mercado norte-americano.
Vários processos de fusão ou aquisição de empresas têm sido abortados pelo governo para impedir a formação de oligopólios e monopólios, principalmente em setores como o da indústria química, farmacêutica e alimentícia. Mas na briga aberta entre marcas que competem num mesmo segmento do mercado, ainda prevalece a lei do mais forte, e isso pode ter lá a sua lógica.
Só que, às vezes, quando seus interesses são afetados, os mais fortes acionam seus lobbies e o poder das suas entidades de classe para desenterrar antigos códigos e leis protecionistas e assim barrar investidas dos concorrentes. É um modelo peculiar de defesa corporativa em um país que se orgulha do respeito pela livre iniciativa e algumas dessas manobras produzem resultados que causam espanto.
Há alguns anos, na cidade de Tampa, capital da Flórida, Mike Myers, uma espécie de Eduardo Bier da região (Eduardo é o dono das cervejarias Dado Beer de Porto Alegre e São Paulo), resolveu montar uma casa chamada "The World of Beer".
Como o nome sugere, a idéia era oferecer aos amantes da cerveja um grande bar onde os clientes pudessem provar marcas de produtos de todo o mundo e não apenas aquelas águas de barrela vendidas nos supermercados norte-americanos. Para os apreciadores da bebida, não faltava no estoque nem a legendária Chimay, uma das seis raridades produzidas pelos monges franciscanos da Bélgica.
Tudo corria às mil maravilhas para o empreendimento de Myers, quando entraram em cena os lobbies da Anheuser-Bush (fabricante da Budweiser) e da Associação dos Atacadistas de Cerveja da Flórida.
Recorrendo a uma lei estadual promulgada há mais de 30 anos, que regulamenta os tamanhos das garrafas de cerveja que podem ser distribuídas na Flórida, onde só é permitido vender frascos de 8, 12, 16 ou 32 onças (a onça americana equivale a 29.5737 cm3), a cervejaria e a entidade conseguiram proibir a venda no "The World Beer" de dezenas de marcas estrangeiras que não atendiam às "especificações legais" (muitas cervejas da Europa, da África e mesmo de outras regiões dos EUA são embaladas em garrafas de 11.2 ou 25.4 onças).
O pretexto para essa truculência da Budweiser e dos atacadistas contra o bar era um primor de inconsistência: ao pedir uma garrafa de cerveja importada imaginando, como ocorre com os produtos da Flórida, que ela teria 12 onças, o consumidor estaria sendo enganado ao receber uma garrafa com apenas 11.2 onças.
O "Department of Business and Professional Regulation", órgão estadual que julgou o processo, também achou de dar sua contribuição para esse festival de "nonsense": ao recusar o recurso da "The World Beer", acrescentou no seu despacho que, além das razões apresentadas pelos atacadistas e pela gigante Anheuser-Busch, as garrafas de 11.2 ou 14.5 onças tornavam "mais complicado" o cálculo dos impostos que incidem sobre a venda de cervejas.

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