São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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A nova política industrial

LUÍS NASSIF

No ano passado, o secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, e a economista Lidia Goldstein deram início a um processo dialético interessante, visando definir as novas bases da política industrial do país.
Primeiro, sistematizaram os conceitos correntes. Depois, procederam a consultas junto a vários especialistas e formadores de opinião.
Em seguida, apresentaram versões sucessivas de seu trabalho, incorporando gradativamente as sugestões até chegar à forma atual.
O trabalho identifica, inicialmente, quatro processos relevantes que estão levando à reestruturação da economia. O primeiro, o fenômeno da globalização propriamente dita, a aceleração da expansão das multinacionais no mundo. O segundo, a abertura da economia provocando o aumento da competição e a redução das margens de lucro das empresas.
O terceiro, o próprio processo de estabilização, que atuou como fator distribuidor de renda e de retomada da confiança nos investimentos. O quarto, a privatização, não apenas trazendo mais eficiência às empresas privatizadas, mas criando possibilidades de investimento.
Terceira onda
Esses quatro fatores foram os responsáveis pelo que a dupla denomina de terceira onda de investimentos internacionais no Brasil, em tudo diferente das ondas anteriores.
De 1930 até os anos 80 o país baseou-se em um mesmo modelo de industrialização, fundado no tripé grande empresa estatal, grande empresa estrangeira e a empresa nacional familiar -as três protegidas por reservas de mercado e sendo igualmente ineficientes.
As estrangeiras concentravam-se em bens de consumo duráveis, dentro do processo de substituição de importação.
A nova empresa multinacional chega ao Brasil fugindo de mercados saturados, buscando uma base para atender a todo o Mercosul, e abarca da fabricação de chocolates à de automóveis.
No primeiro momento, essa onda traz o temor de embutir em si processos de desindustrialização. A multinacional importa o produto para testar mercado e criar a rede de distribuição. Sentindo firmeza, parte para o segundo momento, que é a instalação de fábricas.
Também nesse momento ocorrem pressões de importação, das máquinas e equipamentos que vão equipar as novas fábricas. E também de componentes, que serão importados visando a redução imediata de custos.
Só no terceiro momento esse movimento tem impacto positivo na balança comercial. Primeiro, porque cessam as importações de bens e equipamentos.
Depois, porque as estratégias empresariais mais bem-sucedidas -como o outsourcing (encomendar componentes montados de fornecedores) e just in time (trabalhar com estoques mínimos), exigem fornecedores internos, localizados de preferência ao lado da fábrica.
Empresa nacional
Nesse quadro, a sobrevivência da empresa privada nacional é relevante por vários motivos. Mas como o governo pode atuar, em um momento em que toda ação governamental é confundida com proteção indevida a setores econômicos?
Ao governo estão reservados dois papéis, conclui o trabalho. O primeiro, de atuar como elemento indutor em processos de articulação entre fabricantes e fornecedores -nos moldes das bem-sucedidas câmaras setoriais.
Essa articulação é fundamental. Tome-se o caso da Fiat em Minas. Bastou um pacto de confiança entre a montadora (dando garantias de contratos de longo prazo aos fornecedores) e os fornecedores (se comprometendo a investir e garantir preços e qualidade), para se criar o mais dinâmico pólo automobilístico do momento.
O segundo papel do governo será atuar também como indutor de processos de reestruturação industrial, preparando as empresas para se tornarem sociedades anônimas.
De certo modo, as conclusões batem com as sugestões que fiz para o primeiro trabalho, na coluna de 28 de janeiro passado:
"Uma ação de política industrial só é legítima se for impessoal, e conferir autonomia ao setor trabalhado. Em caso de ambiente econômico moderno, o principal empecilho ao crescimento das empresas será a retaguarda de capital para financiar seu crescimento.
"O melhor a fazer, para se preservar o futuro, e se conferir legitimidade às ações atuais, é estabelecer mecanismos que permitam a cada setor reestruturado ter desde logo "padrinhos" financeiros --bancos de investimentos, fundos privados, fundos de pensão, que participassem já da reestruturação, entendessem a lógica do setor, e se preparassem para aportar capital para as próximas etapas de crescimento.
"Com isso, garante-se o desmame desses setores.
"Para tanto, é fundamental estabelecer como precondição para uma empresa entrar nesses programas, sua transformação em sociedade anônima e a preparação para futura abertura de capital."

E-mail: lnassif@uol.com.br

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