São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997 |
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Chico Science e os tambores da meia-noite
CLEMENTE
Estampado em camisetas, citado por dez em cada dez bandas que subiam ao palco, símbolo do mangue beat, da campanha de trânsito do governo do Estado; nunca vi alguém ser tão homenageado. Até eu, em um ato impensado, abri a boca para exaltar o cara, mesmo sem ter sequer um CD seu em casa. Lá estava eu, em Recife, no maior festival de rock e pop do Brasil, pronto para conhecer novas tendências e entrar no clima da festa. Nos bastidores, muita gente conhecida da mídia paulista; até parecia um churrasco na casa do João Gordo. Apesar disso, estava me sentindo um peixe fora d'água. Entre um show e outro, dei uma volta pelo mercado pop que acontecia no mesmo espaço. Enquanto os alto-falantes martelavam "Da Lama ao Caos", "Manguetown" etc., eu começava a ficar com overdose de Chico Science! As bandas, os shows, as pessoas, tudo era legal, mas naquele dia fui embora com a sensação de quem não pegou o espírito da coisa. Uma amiga mineira que acaba de se instalar em Recife me convenceu a não ir, como todo mundo, para Boa Viagem de táxi e sim subir a pé as ladeiras de Olinda. Andei horas sob um sol inclemente pelas ruas de calçamento de pedra, entre igrejas e casarões da época dos holandeses, situando-me na história e ouvindo relatos sobre guetos, blocos de maracatu, artistas populares proibidos de se apresentar nas ruas... O relato que mais me impressionou foi o da Noite dos Tambores Silenciosos, em que blocos de maracatu se encontram em um lugar chamado Quatro Cantos e, exatamente à meia-noite, começam a tocar, levando em frente uma tradição dos escravos africanos. Fiquei arrepiado! Quando me sentei lá no alto para tomar água de coco, com a cidade inteira a meus pés e Recife como pano de fundo, em meio a cantorias dos repentistas, vi que nunca havia me sentido tão brasileiro. Voltei feliz, pois havia encontrado o sentido daquilo tudo, bem longe do Centro de Convenções e das câmeras da MTV, incrustado na pedra do calçamento de uma cidade em que a arte se confunde com a vida e vice-versa. E quanto ao espírito de Chico Science? Bem, esse estava lá, serelepe e brincalhão, esperando tranquilo o dia em que a Nação Zumbi subir as ladeiras de Olinda à meia-noite e tocar para os quatro cantos do mundo na Noite dos Tambores Silenciosos. Texto Anterior: "Eight Arms to Hold You", Veruca Salt; "Agora Tá Valendo", Devotos do Ódio; "White on Blonde", Texas; "Horror Wrestling", Drain Próximo Texto: Saiba já como é o novo do Foo Fighters Índice |
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