São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 1997
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De reeleições e recandidaturas

JOSÉ SERRA

Há um movimento no Senado para alterar a emenda constitucional que permite a reeleição de chefes dos poderes executivos, mantendo o direito para o presidente da República, mas excluindo governadores e prefeitos. A meu ver, essa tentativa representa um equívoco conceitual e político.
O Senado tem sido lento na tramitação da emenda, que veio da Câmara há dois meses e ainda não foi votada sequer na Comissão de Constituição e Justiça, antes de seguir para o plenário. É evidente que os senadores têm direito de alterar a emenda. É um poder que a Constituição lhes confere e que pode e deve ser exercido plenamente.
Só que a tentativa de restringir as possibilidades de reeleição somente ao presidente envolve uma contradição: ou o Brasil está preparado para reeleger (ou não) mandatários ou não está.
Não há brasileiros e instituições capazes de ajustar-se com eficácia às nossas regras para eleição do presidente da República, mas incapazes de fazê-lo em relação a prefeitos e governadores. Ou se faz para todos ou não se faz para ninguém.
Sempre preferi reeleição (em dois turnos) para todos. A idéia de que isso estimularia o "uso da máquina" e o continuísmo dos governantes é um mito, baseado em duas premissas equivocadas.
Primeiro, que a taxa de manipulação dos eleitores é hoje baixa. Infelizmente não é e não vejo por que seria aumentada com a reeleição. Pelo contrário, a fiscalização da opinião pública em relação ao uso da máquina só tenderá a crescer, pois o processo ficaria mais transparente. Na prática, como costuma lembrar Mário Covas, os detentores de poder executivo que se recandidatarem serão infernizados pela oposição e sobretudo pela imprensa.
Em segundo lugar, confunde-se reeleição com renomeação, o que é falso. O termo correto para reeleição seria, na verdade, recandidatura. Será mais difícil para um primeiro mandatário que termina em baixa reeleger-se do que "fazer" de um outro modo o seu sucessor. E se ele terminar em alta, se governou bem, por que não ter a chance de continuar?
Mas em cima do equívoco conceitual, há um erro político. Se a cirurgia fosse feita pelo Senado, justa ou injustamente, seria impossível evitar a imagem de que os senadores teriam legislado em causa própria como virtuais candidatos a governador de seus Estados. Cometeriam um casuísmo quimicamente puro.
Além disso, a emenda, por ter sido modificada, voltaria aos deputados, que, pressionados pelos governadores e prefeitos (cuja influência por centímetro quadrado da Câmara é altíssima), tenderiam a reincluir a reeleição para todos. Nesse caso, a emenda voltaria ao Senado, num pingue-pongue ruidoso e cansativo, que nos faria perder muito mais tempo do que já perdemos e do que merece esse assunto.

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