São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
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A Área de Livre Comércio das Américas

KJELD JAKOBSEN

Rejeitamos o teorema simplista que diz que quanto maior a liberalização do comércio internacional, maior o crescimento econômico dos países envolvidos, com a consequente geração de empregos, melhores salários e respeito aos direitos humanos e sindicais.
Os indicadores econômicos e sociais demonstram que o que ocorre é concentração de renda, aumento do desemprego, precarização das condições de trabalho e desrespeito aos mais básicos direitos humanos e sindicais. O livre mercado, por si só, não garante desenvolvimento econômico sustentável e equilibrado.
Meros acordos comerciais não asseguram processos de integração política, social e cultural. E somente serão adequados se garantirem naturezas e ritmos consensuais, bem como dimensões sociais.
Neste momento, negocia-se o estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), envolvendo 34 países, à exceção de Cuba, sendo que a 3ª Conferência de Ministros da Indústria e do Comércio, dias 15 e 16 deste mês em Belo Horizonte, definirá o cronograma e conteúdo das negociações.
Não vemos nenhuma vantagem nesse acordo para o Brasil. A começar pela disparidade econômica entre os parceiros. O quadro de distribuição de riquezas da área demonstra que os três países do Nafta detêm 88% do PIB total das Américas, contra 8% dos países do Mercosul e 4% dos 27 restantes, o que torna desigual qualquer disputa comercial.
Além disso, temos as disparidades políticas. Embora os EUA possuam baixa tarifa externa (5% em média), têm a legislação mais protecionista do mundo, possibilitando a aplicação de sanções unilaterais e a adoção de subsídios na defesa de seu mercado. E não há nenhum indício de que o governo norte-americano pretenda modificar essa legislação, ou dela abrir mão, ao aderir à Alca.
A renda per capita dos EUA é de US$ 23 mil, enquanto no Brasil fica em torno de US$ 4 mil e no Haiti é de US$ 165. Essas diferenças, que geram enormes disparidades sociais, não serão solucionadas por intermédio da Alca, que não prevê ajuda externa a processos de reestruturação.
A desigualdade também é presente no campo educacional, fator determinante na obtenção de tecnologia e competitividade.
Seria mais conveniente que amplas regras de comércio, prevendo os problemas acima, fossem definidas, primeiramente, na OMC (Organização Mundial do Comércio), apesar do controle exercido pelas grandes economias. Pois ainda assim, é um espaço que permite maior articulação e multilateralidade das economias menores.
Hoje, nas Américas, existem cerca de 25 acordos de comércio bilaterais, sub-regionais e mesmo de integração econômica, como o Mercosul, além da diversificação do comércio com outros continentes, como é o caso do acordo Mercosul-União Européia e dos países da América que participam da Apec (acordo de comércio entre os países do Pacífico).
Embora carentes de preocupações sociais, esses acordos tendem a ser mais equilibrados, soberanos e diversificados, pelo seu caráter de adesão voluntária e negociada.
Tais acordos correm o risco de ser esmagados pela Alca, em função dos prazos propostos e da política comercial do governo norte-americano e pela voracidade das companhias transnacionais.
Para a CUT, a prioridade brasileira é o Mercosul, por se tratar de um acordo que pode, e deve, ir além do simples comércio, desde que contempladas as reivindicações de carta social, fundos de reconversão e democratização das decisões -defendidas pela Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul.
Acordos de comércio, principalmente das dimensões da Alca, não podem ser estabelecidos sem contemplar todos os interesses e direitos envolvidos, das sociedades em geral e de seus diversos segmentos em particular.
Portanto, as decisões não podem se limitar ao Poder Executivo de cada país. O Poder Legislativo, entre outros fóruns, também deve participar.
A Alca, como vem sendo desenhada e impulsionada, mais parece o Nafta sendo estendido aos demais países. E, baseados na experiência já vivida pelos trabalhadores da América do Norte e México, não queremos ampliar uma situação na qual, pelo deslocamento industrial em busca de mão-de-obra mais barata, percam-se postos de trabalho em determinadas regiões e se precarizem os empregos em outras.
Por isso, queremos a criação do Fórum Sindical da Alca, como espaço de resoluções do movimento sindical frente a acordos comerciais no hemisfério, e que qualquer iniciativa de acordo tenha como pressuposto básico o respeito às normas trabalhistas e sua dimensão social. Que respeite direitos humanos e sindicais, regras ambientais e direitos gerais da sociedade.
Além disso, queremos democratização das decisões, por meio da participação dos trabalhadores, dos demais poderes constituídos e dos setores organizados da sociedade, bem como o uso de referendos e outros mecanismos decisórios.

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