São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O presidente volta ao divã do psicanalista

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

- Doutor, por que me sinto tão sozinho? -perguntou FHC ao psicanalista.
- Está sozinho porque não me ouviu. O senhor não vem aqui há mais de um ano! -respondeu o analista, embaixo do busto de Freud (havia um brilho duro nos olhos do médico).
- Tem dias em que tudo parece estar desabando, doutor: apitaço, reformas empacadas, PMDB, Vale do Rio Doce, STF .... santo Deus...
- É o que chamamos de "delírio de ruína". É normal para quem se propôs este projeto político quase impossível. O senhor quer trazer o iluminismo para um país escravista.
- Meus inimigos dizem que eu sempre quis conciliar contrários... Isso é ruim, doutor?
- Não... isso é seu melhor lado. Lembre-se que sua tese de doutorado foi sobre "Capitalismo e Escravidão". Você... o senhor... tem esta vontade de acabar com o maniqueísmo vagabundo da esquerda óbvia, que adora um conflito insolúvel, para viver no "pântano do não" (a imagem agradou ao freudiano).
- Será que eu consigo, doutor?
- Se bobear, dança! Quer dizer... presidente, ahhh... essa é sua maior coragem e seu maior risco. Sua aliança com o PFL o obriga a transigências "paródicas" com o fisiologismo, como uma espécie de "meta toma-la-da-ca" que se autocritica. Só que essa estratégia de "cordialidade de resultados" também se esgota depois de certo tempo e a sedução começa a não bastar. Presidente, entre a tolerância e a vaselina há um limite que é quase nada...
- Mas eu não sou vaselina...
- Bem, o senhor... presidente... tem uma grande dificuldade em desagradar. O senhor é ruim de conflito.
- Pode me chamar de "tu"...
- Obrigado... Teu... horror aos velhos vícios marxistóides, teu amor à chamada "utopia possível" está te paralisando. Você inventou um bonapartismo disfarçado que quer resolver tudo sozinho... o "messianismo light" do sorriso... Aí, os stalinistas e os fisiológicos se unem achando que você é fraco...
- Mas, eu acho que não adianta um voluntarismo emergencial que quer resolver tudo. Tenho de desbloquear caminhos do Estado, para a água correr...
- Tudo bem... mas você não pode confundir isso com um "laissez-fairismo" malsão... com um "deixa pra lá" para as metas. Você se acha a "resposta" para a crise entre a globalização e o Brasil, ora cacete, isso é onipotência braba! (o médico tremia).
- Mas doutor...
- Teu amor à "razão" esconde um aristocratismo. Você tem que explicar o que quer, meu cacete! (FHC hesitava diante da ira do analista. O que fazer? Protestar ou aceitar?) Veja o teu porta-voz, é um homem de bem... Mas é o porta-voz da não-emoção, da má notícia, fala de olhos baixos, tristes. Quando você precisa de violência, chama o teu lutador de "sumô" que é o Serjão. Você acha que entende dos outros, fez sociologia; mas, a sociologia é apenas a análise dos outros. E a psicanálise é a sociologia do "eu." ...ah! Ah! (o analista adorou a nova frase). Até o Itamar dava mais medo que você... A gente vivia em suspense, pois ele podia destruir o país a qualquer momento... Teu sorriso seduz, mas começa a virar um desafio para a oposição apagá-lo. Um esporte: irritar o FHC. A velha esquerda está se reagrupando por causa da tua omissão! Perderam o respeito! Você viu o maoísta Stedile dizendo que estava c.... para o governo? Viu as pedradas na dona Ruth? E a "folga" do PMDB "et caterva" no leilão de cargos? A direita está aí. Os stalinistas estão aí... O José Dirceu te desafiando, até o Genoino dizendo que tem de ser "na porrada".... Se bobear, eles te caçam a pauladas, feito uma ratazana grávida!!! Se você deixar, a culpa acaba sendo sempre tua... Subiu o frango, culpa tua; mataram o índio pataxó, a culpa é tua... Cuidado; todo narcisista anseia por um martírio! (FHC tremeu. Seu desespero aumentava).
Você não precisa mais ser amado; tem de ser temido. Temido... Brasileiro gosta de macho (as barbas do analista se eriçavam como as cerdas bravas do javali). Mas, o mais grave é que a população não sabe das tuas intenções! Você está ignorando a ignorância do povo. A campanha publicitária da Vale foi ridícula. Enquanto o PT dizia que você vendia a mãe-pátria, você botou o Raul Cortez num anúncio branco de vender geladeiras. O povo todo acha que você entregou a Vale para os gringos! O maior fracasso do teu governo é a comunicação social. É a maior bosta, -desculpe, presidente- que eu já vi! Nem Freud explica isso! Você quer mudar uma civilização, mas assim não vende nem papel higiênico! (o freudiano se esganiçava como bruxa de teatro infantil).
Porra, você tem de explicar ao povo a mudança "cultural" que quer fazer! São 500 anos de estatismo patrimonialista! Se você não tiver um canal direto com a opinião pública, não vai fazer reforma nenhuma! Seu governo não explica nada. Você enlouqueceu? Está querendo mudar uma sociedade de massas sem "mídia"? Vai ficar com esse sorrizinho irônico, enquanto os stalinistas congregam os burros numa frente única de estupidez? Vai ficar parado, FHC, nesta inação messiânica, neste bonapartismo paralítico, falando em "reformas" que ninguém entende? (o analista dava patadas rútilas em todas as direções). Está tudo errado, isso é um desacato à opinião pública! Demita imediatamente a turma de comunicação do governo! Contrate o Nizan Guanaes, o Olivetto, contrate o cacete a quatro, mas explique ao povo que merda é esta dessa "revolução cultural" que você quer fazer... Porra, presidente... assim não dá!...
- Doutor... me respeite... eu sou o presidente! -disse num esforço.
- E eu sou o seu inconsciente! Eu sou sua neurose, sua impotência, seu trauma! Eu sou pago para lhe dizer a verdade! O senhor está virando uma piada de botequim. Será que o senhor não tem um amigo que lhe diga o óbvio: "vais perder a chance histórica de mudar o país por falta de comunicação!" Vai ser a derrota mais ridícula da história. Quando estivermos africanizados, na merda, na sarjeta, perguntarão: "por que o Brasil foi para o beleléu?"
Responderemos: porque o FHC não explicou direito nada (FHC exalava cava e negra depressão).
- Doutor... me explique então o que devo fazer...
(O médico dava arrancos de cachorro atropelado).
- Não explico porra nenhuma!... Farei como você faz com a ignorância do povo: tome um Lexotan, vai para o eletrochoque, que eu não explico nada! E tem mais: sua hora acabou!
E FHC saiu do consultório chorando lágrimas de esguicho. Na esquina, foi apedrejado por um pelotão da nova coligação PT-PC do B, PMDB e MR-Quércia, OAB, MST-MAO, Neo-PFL e "bossa nova" do PSDB. Do outro lado do mar, a África nos chamava.

Texto Anterior: Arraes lança trabalho
Próximo Texto: Psiquiatra acusa Allen de plágio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.