São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
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Ang Lee resgata festival da mediocridade com "The Ice Storm"

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Finalmente sinal de vida na mostra competitiva de Cannes-97: "The Ice Storm" (Tempestade de Neve), drama americano dirigido por Ang Lee ("Comer, Beber, Vi ver"). Baseado no romance publicado em 1994 por Rick Moody, o filme reconstitui a perda da inocência americana nos idos de 1973.
A derrota no Vietnã acabara de explodir o orgulho nacional. O presidente Nixon enfrentava o escândalo que o levaria à renúncia (Watergate). Para complicar, a revolução sexual abalava os últimos alicerces da família. Era o fim do sonho, mesmo.
"The Ice Storm" radiografa o mal-estar na América de Nixon a partir de um par de trágicos dias para duas famílias vizinhas em uma cidadela de Connecticut.
O foco central fixa-se sobre os Hood, um casal (Kevin Kline e Joan Allen) com um filho (Tobey Maguire) e uma filha adolescentes (Christina Ricci). Seus amigos são os Carver (Jamey Sheridan e Sigourney Weaver), pais de dois "teens" (Elijah Wood e Adam Hann-Byrd).
Ben Hood e Janey Carver iniciam um caso. Ele se envolve, ela logo enjoa.
Um feriado marcado por uma tempestade de neve catalisa os dramas. A senhora Hood descobre o adultério e arma a vingança numa troca de casais. O senhor Carver será seu desastrado parceiro.
"The Ice Storm" tem poucos paralelos cinematográficos. O mais próximo é o subestimado "Gente Como a Gente" (1980) de Robert Redford. Mas o novo Ang Lee vai além. Lembra John Updike e Philip Roth. Remete a "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?" de Edward Albee.
Como Sigourney Weaver notou, o filme é sobre "a quebra da família americana". "É a ruptura com os EUA do pós-guerra". "Meu tema é mesmo como a família espelha as mudanças sociais", reconheceu Lee. Ecos de "O Banquete de Casamento", "Comer, Beber, Viver" e "Razão e Sensibilidade" se fazem ouvir em "The Ice Storm". Mas não há dúvida que Lee aqui se superou.
Os créditos devem ser divididos com o produtor James Schamus, da Good Machine. O filme tem uma estrutura circular, abrindo e fechando com viagens de Paul, o primogênito dos Hood. Os dramas individuais desenvolvem-se em mosaico, estudadamente contidos, sem excessos e histerias.
"The Ice Storm" é de longe o mais forte concorrente à Palma de Ouro até aqui. Resgatou a disputa da mediocridade. Há muito a sele ção não era tão fraca. Serge Toubiana, do "Cahiers du Cinéma", disse: "não é nada fácil manter anualmente uma competição com 20 títulos internacionais fortes".
Não surpreende que Wim Wenders decepcione. Chama a atenção que o mesmo aconteça com Shohei Imamura ("A Balada de Narayama"). Seu novo filme, "Unagi" (Enguia), exibe uma irregularidade de tom assustador no diretor do matemático "Chuva Negra" (1989).
Um homem mata a esposa adúltera, após uma denúncia anônima. Oito anos depois, em liberdade condicional, encontra uma jovem, suicida fracassada, que, involuntariamente, mimetiza o comportamento afetuoso da morta.
Por um tempo pensa-se em "Um Corpo Que Cai". Imamura contudo muda repentinamente o jogo. O tom grave torna-se farses co. O drama familiar da nova amada é priorizado. "Unagi" sai dos eixos e restam-nos as memórias de alguns belos planos. De Imamura pode-se exigir mais.

Filme: The Ice Storm (Tempestade de Neve)
Direção: Ang Lee
Roteiro: James Schamus, a partir de romance de Rick Moody
Com: Kevin Kline, Sigourney Weaver, Joan Allen, Christina Ricci.

Filme: Unagui (Enguia)
Direção: Shohei Imamura
Roteiro: Motofumi Tomikawa, Daisuke Tengan e Shohei Imamura.
Com: Koji Yakusho, Misa Shimizu e Fujio Tsuneta.

O crítico Amir Labaki está em Cannes a convite da organização do festival.

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