São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
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Reforma do Judiciário e economia

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A série de liminares concedidas contra a alienação de parte do controle da Companhia Vale do Rio Doce levou o povo à perplexidade quanto à natureza das funções do Poder Judiciário, assim como a indagar como pode esse poder decidir e "desdecidir" com tanta rapidez, e se não seria o caso de criar um controle externo da Magistratura.
Para a última questão, a resposta é, decididamente, não. Um poder técnico, composto de pessoas qualificadas -pois selecionadas (100% na primeira instância e 80% nos tribunais) mediante concurso público ou por notório saber jurídico e idoneidade, quando indicadas pela OAB ou Ministério Público (20% dos tribunais)-, não pode ser controlado por poderes políticos cujos interesses nem sempre são claros, e muito menos pela mídia, que, em matéria técnica, enfrenta dificuldades para compreender questões jurídicas.
E depois, é de se perguntar: quem controlaria os controladores? Na Itália, o controle da Magistratura tem sido criticado, na Espanha, pouco aplicado, e na França, segundo pesquisa de grande jornal, há dois anos, é apontado como o maior culpado da péssima imagem do Judiciário naquele país.
O problema não está no controle nem nos homens, mas na absoluta falta de recursos do Judiciário e na multiplicação de instâncias e de procedimentos, que conformam o denominado Direito processual. A reforma do Judiciário deverá passar necessariamente pela redução de instâncias ordinárias na administração de Justiça (duas apenas), transformando o STJ em tribunal de solução de conflitos entre os tribunais inferiores, e o STF em corte constitucional.
Entendo, também, que há necessidade de simplificação dos procedimentos e, principalmente, de criação de um Direito processual econômico.
Hoje há três grandes vertentes no Direito processual (penal, civil e trabalhista). Sou favorável à criação de uma quarta vertente, a econômica.
O Direito econômico é a disciplina jurídica da macroeconomia, estando balizado pelo regime da concorrência e do consumo. Em outras palavras, toda a política macroeconômica flui, enquanto planejamento estatal, pelas normas do Direito econômico, que deve regular as vias da produção e circulação de bens e serviços pela repressão ao abuso de poder econômico, do investimento e da poupança, pelas regras do sistema financeiro, e do consumo, pela proteção ao consumidor.
Ora, questões que envolvessem aspectos macroeconômicos, exteriorizados em interesses difusos e coletivos, por sua relevância, não deveriam ser atribuídas a juízos monocráticos, evitando-se assim que um magistrado de qualquer parte do país pudesse, sozinho, sobre elas decidir, e, em função de sua decisão, até mesmo paralisar o país.
Para tais questões, vejo necessidade de regras processuais peculiares, a que denomino Direito processual econômico. A competência originária para delas conhecer e julgar seria atribuída aos Tribunais Federais de Recursos nas cinco Regiões, com liminares sendo concedidas só pelo colegiado. Desta forma, magistrados mais experientes -e em conjunto- decidiriam as providências cautelares pedidas sobre assuntos macroeconômicos, seja em ações civis públicas, seja em ações populares.
É que a economia é uma ciência pouco dominada, até pelos economistas. Roberto Campos costuma dizer que a função do economista é utilizar-se da geometria e da álgebra para explicar a miséria, não para combatê-la. Ou, ainda de forma mais cáustica, que o camelo é um animal planejado por um grupo de economistas, em face dos altos e baixos de seu dorso, mas nem por isso um animal inútil.
Se é uma ciência de difícil domínio pelos economistas, com muito mais razão o magistrado, que não a estuda a fundo nos cursos de direito, tem maior dificuldade de compreender os fenômenos decorrentes e todos os reflexos que sua decisão possa vir a produzir.
Ora, atribuir o poder cautelar a tribunais cujos integrantes são magistrados mais experientes, pois atuam há mais tempo na Magistratura, como subordinar a concessão de liminares a decisões colegiadas, significa tornar mais eficazes essas mesmas liminares, quando necessárias, e não prejudiciais à economia, do que ocorre quando examinadas por um único julgador, sem possuir todos os dados do problema.
Creio seja esse um dos principais aspectos da reforma do Judiciário a ser empreendida, criando-se um Direito processual econômico ao lado do civil, penal e trabalhista.

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