São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Assim falou Malan

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Em geral, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, é extremamente econômico no uso das palavras. Trata-se de um adepto do "understatement".
Por isso, teve significado especial a sua longa e substantiva entrevista à "Gazeta Mercantil", publicada na segunda-feira passada.
Nessa entrevista, Malan abordou com franqueza e ponderação algumas das principais dificuldades macroeconômicas brasileiras. Um contraste notável com os pronunciamentos aloprados que vinham sendo feitos até recentemente por um certo diretor do Banco Central.
Malan frisou o progresso alcançado no campo fiscal desde o final de 1995, mas admitiu que esse progresso tem sido "muito gradual" e que o déficit público ainda é alto demais.
Reconheceu, também, que "a trajetória de crescimento continuado do déficit em transações correntes" deve "inspirar cuidados" e declarou que acompanha o problema das contas externas "com enorme cuidado e atenção".
Embora tenha discordado enfaticamente de cálculos que apontam uma sobrevalorização cambial superior a 20%, fez questão de ressalvar que não pretendia sustentar "que o câmbio está perfeito, que estamos no câmbio de equilíbrio, no câmbio desejável".
A julgar por essa entrevista, o governo resolveu desistir definitivamente de tapar o sol com a peneira. Antes tarde do que nunca. Os próprios dados oficiais não deixam dúvidas quanto à existência de problemas na frente fiscal e, sobretudo, na frente externa.
É verdade que o déficit público vem registrando alguma diminuição no passado recente. Mas essa diminuição, além de modesta, se deve à diminuição gradual das taxas internas de juro desde fins de 1995.
O superávit primário, isto é, o resultado exclusive juros, que reflete mais diretamente os esforços de ajustamento fiscal, caiu de 0,35% do PIB em 1995 para 0,02% nos 12 meses até fevereiro último, a despeito da recuperação do nível de atividade nesse período.
Daqui para a frente, o quadro macroeconômico tenderá a ser mais desfavorável à redução do déficit público. Como se sabe, a trajetória de queda dos juros internos foi interrompida recentemente pelo Banco Central, em resposta à alta das taxas de juro nos EUA e à persistente deterioração do balanço de pagamentos brasileiro em conta corrente.
Se o governo for levado a adotar medidas mais significativas de contenção do crédito, a desaceleração do nível de atividade dificultará a ampliação do superávit primário nas contas públicas.
Mas é na área externa que o quadro ficou bem mais complicado. O déficit em conta corrente cresceu de forma alarmante, de US$ 18 bilhões em 1995 para US$ 28 bilhões nos 12 meses até março de 1997.
Quase todos os componentes da conta corrente acusaram deterioração. Além do crescimento do déficit comercial, destacou-se o aumento da remessa líquida de lucros e dividendos ao exterior, de US$ 379 milhões no primeiro trimestre de 1996 para US$ 1,348 bilhões no primeiro trimestre deste ano.
Curiosamente, o último relatório mensal do Banco Central identifica como principal fator responsável por esse aumento "as atuais normas tributárias que isentaram do recolhimento do Imposto de Renda essas remessas, quando relacionadas a resultados gerados a partir de janeiro de 1996". Uma liberalidade difícil de entender nas atuais circunstâncias.
Os dados disponíveis, embora incompletos, indicam que esse déficit em conta corrente tem como principal contrapartida não o investimento, mas a expansão do consumo agregado.
Em outras palavras, o grosso da captação externa está financiando gastos de consumo. Evidentemente, isso só seria viável se os recursos que estamos recebendo fossem doações, e não empréstimos e investimentos.
Malan conta com a venda da Vale do Rio Doce e outras privatizações para ajudar a cobrir o déficit em conta corrente. A privatização converte-se, assim, em desnacionalização. Vende-se patrimônio para cobrir despesas de consumo.
Como diria Mário Henrique Simonsen, isso equivale a torrar o apartamento da família para pagar contas de restaurante e viagens à Disneylândia.

E-mail: pnbjr@ibm.net

Texto Anterior: Ultrapassando a matriz; Com condicionante; Estratégia Vaporetto; Último caso; Enrolando a língua; De virada; Sorriso nos lábios; Mercado de peso; Vendendo saúde; Juntos de novo; Cortando a folha; Nova divisão; Levando a linha; Na cabeça
Próximo Texto: A face esquecida (e hipócrita) do governo FHC
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.